Entendo que segundo a espécie humana o mundo se divide em duas partes distintas: o real e o imaginário.
Esta concepção sobre o mundo é muito mais antiga do que parece. Filósofos da Antiguidade já dividiam o mundo desta maneira, isto é, em mundo real e mundo inteligível. Em outras palavras, o mundo é constituído por objetos materiais oriundos da criação da natureza e, por outro lado, constituído por objetos imateriais originários da impressão e entendimento humano sobre estes mesmos objetos factuais.
Tanto é realidade que durante a estória do desenvolvimento científico dois focos primordiais norteiam a busca do homem: o primeiro é a necessidade de descobrir os meios físicos-químicos-biológicos pelos quais são formados todas as coisas. Segundo, a necessidade de desvendar os processos epistemológicos do ser humano.
Com o avanço da ciência e o surgimento de novos pensadores esta concepção sobre o mundo passou a ter fundamentos mais contundentes. Na minha opinião, a psicanálise trouxe subsídios claros e explicativos do porque e como o mundo real e imaginário coexistem e se completam.
Conforme as constatações da psicanálise as fantasias inconscientes são necessários e importantes móbiles da verdade sobre o mundo, cuja verdade não representa necessariamente a realidade do mundo. Considero que existe uma diferença entre verdade e realidade.
A realidade é a totalidade do Universo como um único organismo harmônico e conseqüente. Dada a complexidade e imensidão do Universo não há condições intelectuais do homem conhecer sua realidade absoluta. Apenas conhece parcialidades da realidade que pelo fato de ser mínima e fragmentada não compõem todas as estruturas, segmentos e nexos causais envoltos no Universo, de maneira que o homem fica a mercê da ignorância e dúvida.
Para suprir esta carência de conhecimento o homem completa a realidade desvendada com a verdade, isto é, a partir do limite da realidade conhecida (que na minha opinião é ínfima) o homem acrescenta a verdade produzida a partir da fantasia de maneira a satisfazer a percepção de totalidade.
A verdade, portanto, é uma produção do intelecto independente da realidade propriamente dita, com existência própria mas que guarda estreitos vínculos com a realidade de modo a parecer uma única e mesma coisa.
A verdade tem origem na elaboração das experiências individuais carregadas de fantasias inconscientes que através de projeções e introjeções constituem o meio pelo qual o pensamento humano se estrutura.
A realidade, por outro lado, é um elemento exclusivo da ciência. Apenas a ciência séria e comprometida pode demonstrar a realidade das coisas. Ciência séria e comprometida é aquela em que inexiste sentimento e vontade. A ciência da realidade possui como alicerce a insensibilidade, ou seja, deve estar completamente ausente de qualquer sentimento, especialmente julgamentos valorativos e tendências volitivas. Tanto que, as maiores descobertas geralmente ocorrem quando o foco do experimento não é a própria descoberta.
A verdade pertence a todos e está completamente envolvida com experiências individuais, sentimentos e vontades de cada individuo. Baseada em fantasias e valorações assumem diversas formas, de maneira que pode coexistir no mesmo mundo diversas verdades diametralmente opostas.
A verdade adquire diversas facetas e formas, mas a realidade é uma só. A verdade é individual, já a realidade é geral.
Está concepção deixa bem claro o porque da dificuldade em se conciliar religião com ciência.
De qualquer maneira, creio que a verdade é extremamente importante ao ser humano, pois é ela a responsável pela adaptação da espécie e, de maneira individual, pelo progresso, criatividade e estruturação do homem.
Esta concepção também demonstra o motivo da realidade cientifica ser nada atraente diante de uma verdade apodíctica.
O homem tem a natural tendência de preferir a verdade em detrimento da realidade, porque desde os primórdios da nossa existência, desde os primeiros meses ou dias de vida, o bebê entra em contato com a verdade criando todos os conceitos sobre a realidade.
Por isso, durante o resto da vida a verdade, carregada de fantasias é interessante, já a realidade ausente de qualquer sentimento é chata.
Um exemplo bastante simples, sem considerar os complexos sistemas de verdade e realidade é a seguinte situação:
É muito mais fascinante, atraente e temeroso observar e contemplar relâmpagos e trovões num dia de tempestade, do que ouvir a explicação das partículas carregadas positivamente de um lado e de outro partículas carregadas negativamente tentando manter o equilíbrio físico-químico lançando descargas elétricas com alta energia térmica cuja expansão repentina das moléculas de ar ao redor produz energia sonora.
Outro exemplo bastante pertinente, que representa bem a diferença entre verdade e realidade é o seguinte: andar descalço no chão frio. É verdade que o contato dos pés quentes com o chão frio provoca “gripe”, inflamação ou doença. Por outro lado é realidade que andar descalço no chão frio nada causa, a não ser uma sensação desconfortável por causa da diferença de temperatura e, se, o sujeito for acometido por alguma enfermidade certamente a causa foi psicossomática, indutiva ou apenas coincidência.
Por fim, digo que o conhecimento da verdade é sempre completo, satisfaz todas nossas necessidades e questionamentos e é aparentemente imutável. Já o conhecimento da realidade sempre é incompleto, nunca satisfaz nossas necessidades e questionamentos, invariavelmente é mutável.
Deus na concepção humana é uma verdade. Deus como explicação do Universo é uma realidade.