O CASO DA DENTISTA QUEIMADA VIVA


Recentemente ouvi uma reportagem onde os infratores que atearam fogo na dentista de São Bernardo do Campo contavam o ocorrido.

Casos como este são chocantes, surpreendentes e repugnantes. Sempre que um ser humano impõem uma atitude extrema contra outro ser humano ficamos curiosos (e revoltados) em saber que espécie de pessoa é o autor de tal atitude cruel.

Surpreendentemente são pessoas, geralmente, de aparência “normal”. Pessoas comuns daquelas que se encontra em qualquer esquina. Muitas vezes de complacência física que não condiz com a barbaridade do ato. Parecem até frágeis, fracos diante da agressividade cometida.

Mas a realidade é esta: o ser humano comum, sem aparência ameaçadora, de atitude simples pode cometer atrocidades inimagináveis.

Uma vez superada a aparência física passamos a observar  o caráter e personalidade do individuo. Mais uma vez a surpresa. Pessoas de fala tranqüila se comportam e se expressam como qualquer cidadão comum. A única coisa que causa uma estranheza contumaz é o fato de narrarem o acontecido como se estivessem contando o que fizeram no final de semana passado. Diante do fato que para a maioria é chocante, parece ser para eles uma naturalidade do dia-a-dia. Este quesito é o epicentro que temos para julgar ser uma personalidade excepcional, fora dos padrões sociais.

Entretanto, penso que no calor do ocorrido estes sujeitos ainda não se deram conta do que fizeram, é como se a ficha não tivesse caído. Mais ou menos como funciona com todos nós diante de um inopinado evento dramático. Geralmente ficamos envolto em uma dimensão paralela onde se observa, mas não se sente ao redor. Uma anestesia intelectual e emocional incomum.

Por causa disto é importante estabelecer o grau e forma do dolo presente no ato, isto é, até que ponto o sujeito concebeu intelectualmente o ato, fez a preparação, agiu para realizar a ação e, finalmente, consumou a ação. Este “iter criminis” é fundamental para se estabelecer o grau de periculosidade do sujeito, o quanto a pessoa esta dissociada das regras humanas e sociais.

Apesar de tudo, o que me chamou bastante atenção na reportagem foi o menor, que ateou fogo na dentista dizer: “ela não parecia assustada, por isso joguei álcool nela”. Neste momento tive uma compreensão absurda do seu comportamento.

Era como se ele estivesse dizendo que merecia respeito, que era homem suficiente para impor admiração ao outro, ainda que pela força. Conclui, naquele momento, a necessidade daquele jovem e de milhares que se espalham pelas favelas do Brasil por um respeito, admiração, valorização que nunca tiveram.

São pessoas com baixa estima profunda causada por uma sociedade desigual.

Por classes sociais que fazem questão de se diferenciarem do resto do mundo; políticos que ostentam poder e esperteza através da ilegalidade; servidores públicos que ostentam bens e superioridade calcados em dinheiro e conhecimento espúrio; pessoas supérfluas que baseiam sua importância em bens desnecessários;  intelectuais e cientistas que monopolizam o conhecimento; Mídia mercenária vendendo produtos de felicidade; seres humanos que se acham melhores do que outros.

O cidadão da favela desde muito cedo se confronta com o embate de ser humano e ser uma merda de humano. Muitas vezes não tem família capaz de dar estrutura emocional, mas tem o traficante local vendendo a imagem de homem respeitável, temido e merecedor de elogios.

O pobre, preto ou pardo, ignorante, feio e mal vestido desde muito cedo convive com o menosprezo, indiferença, humilhação e, pior de tudo, a certeza de que não será nada na vida além de um preto pobre e feio.

Todos estes sentimentos se aglutinam e se transformam em força para mudar. Mudar nem que for através da porrada e violência, mesmo que para isso tenha que botar fogo no mundo.

Claro que nada disto justifica. Mas a resolução deste problema é muito mais profunda e precisa do esforço de TODA sociedade.