SOMOS TODOS VICIADOS

Impressionante é o ser humano oferecer-se á vida.

Fico pensando como cada qual, envolvido com sua própria razão, envolto em suas emoções, distraído, atento ou perdido em suas personalíssimas divagações e considerações, se doa.

A todo o momento, a cada instante vive a vida. Uma existência tão pessoal que se regozija no seu templo. Entristece-se, mas logo encontra motivo para felicitar-se com sua caminhada. Ora e agradece a cada dia que o sol brilha. Adormece com paz, com alguma perturbação ou com aflição imensurável, mas quer no dia seguinte acordar.

A vida é o único motivo possível da existência, uma incerteza tão presente que dolorida se faz na alma que reza para estar vivo no dia seguinte.

Estamos presos a cada parede, mesa, revolta, braço, escova, futrica, carro, filho, livro, mulher, computador, colega, música, briga, amigo, bicho, deslealdade, filme, caráter, parente, convivência, rua, água, ar que respiramos e tudo que tocamos e sentimos para confirmarmos que estamos vivos.

Estamos presos a tudo, só porque o medo apavorante de não existirmos nos prega com afinco à vida que não sabemos o que é, mas tentamos a qualquer custo preservar.

As diferenças e indiferenças, amizades e inimizades, lealdades e deslealdades, amores e ódios, felicidades e infelicidades, tudo dicotomicamente humano, que nos envolve em um emaranhado de fatos considerados reais, existentes e provas cabais daquilo que existe cuja existência acreditamos sem sombra de dúvida até a duvida nos assombrar é a vida que queremos e rogamos a Deus.

Oferecemo-nos à vida sem reservas, porque do contrário seria a morte, algo que fugimos.

E de todos os dissabores que porventura evocamos ao longo do dia não passam de reles desculpinhas frouxas diante da nossa crônica dependência da vida.

Dependemos absurdamente de viver como a maior e melhor droga que existe, uma dependência tão grande que as infelicidades são conseqüências naturais.

Somos viciados em viver.