Recentemente o STF (Superior Tribunal
Federal) julgou um recurso criminal e deu provimento ao requerente, abrindo um
valioso precedente sobre o art. 25 da Lei das Contravenções Penais.
Como se sabe o STF é um órgão
colegiado onde seus doutos membros devem sustentar argumentação no momento de
decidir sobre algum relevante fato social.
É uma corte que, composta por pessoas
de alto nível intelectual e jurídico, está imbuída de legitimidade para
representar o que a sociedade pensa e quer sobre a vida em comunidade.
Seus membros decidem acerca de normas
de condutas humanas com supedâneo de estarem deliberando a própria vontade da
sociedade. São como sábios ou oráculos modernos que sintetizam o desejo da
coletividade, através de uma análise complexa e técnica. Obviamente sempre
observando a Constituição Federal que representa o Livro Sagrado da sociedade
brasileira.
Estamos, portanto, orientados -
enquanto seres sociais - por um Livro Sagrado Constituído e, para dar vida à
letra escrita, pessoas que fazem a interpretação da palavra com senso e
sabedoria.
A diferença entre países com regime
democrático e regime teocrático repousa principalmente na interpretação da Lei
Maior dada pelos ilustres cidadãos com atribuição de representar os conceitos,
preceitos e preconceitos do nicho social, pois “Códigos Sagrados” ambos
possuem. Se bem que um predominantemente legal outro religioso, mas os dois com
nítido teor existencial.
Isto foi demonstrado no julgamento do
referido art. 25 da Lei de Contravenções Penais que mencionei no início, dada
as argumentações filosóficas e históricas que basearam as decisões dos
magistrados.
O caso foi o seguinte: um cidadão do
Sul do país possuía uma mácula em sua vida pregressa por ter cumprido pena por
furto, em função disto, foi condenado novamente baseado no citado artigo.
Ele recorreu, alcançando a esfera
máxima do STF, onde foi unanimemente absolvido.
Reza o art. 25 da Lei 3.688/41:
Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime
de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido
como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos
empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove
destinação legítima:
Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a
dois contos de réis.
Em outras palavras,
este preceito diz que uma pessoa considerada “vagabunda” ou mendiga, que já foi
condenada por furto ou roubo, for encontrada portando pé de cabra ou chave
micha sem conseguir explicar o motivo vai ser condenada a cumprir a pena
estabelecida.
Isto de fato
aconteceu, mas o sujeito recorreu.
As argumentações para
absolvição basearam-se em quatro princípios.
1º - Presumir não é
suficiente para condenar.
Muitas pessoas podem
presumir que se é “vagabundo” ou mendigo, está andando com chave micha ou pé de
cabra, já “tirou cadeia” é obvio que vai roubar ou furtar. Mas o “é obvio” não
aconteceu, estamos condenando sem o fato.
A pessoa pode até
pensar em praticar o ilícito, mas ela só está cogitando, não praticou. Há uma
gigantesca diferença entre estar no pensamento o ato e ele acontecer de fato.
Pelo art. 25 o simples fato da pessoa estar
portando os referidos objetos e já ter cumprido pena, além de ser mendigo ou
desempregado é suficiente para colocá-la na cadeia, apesar de não ter praticado
ilícito algum. Apenas a presunção que ela pode vir a praticar.
Há também a possibilidade da pessoa estar
portando os objetos por qualquer outro motivo, menos a intenção de furtar ou
roubar, mesmo assim, será condenada.
Imagina se fossemos punidos pelos nossos pensamentos
ou presunções alheias:
“Você e sua mulher sentados no sofá assistindo
uma televisão. A morena do funk, linda e exuberante, rebola só de calcinha e
sutiã em um destes programas dominicais. Sua mulher revoltada se vira para você
e pede separação dizendo que você a esta traindo com aquela morena da tela: -
Seu safado! Você ta me traindo com essa sem vergonha!”
2º -
Preconceito não é suficiente para condenar.
O fato da pessoa não ter oportunidades sociais
e de emprego ou estar doente e deprimida a ponto de viver a margem da sociedade
não é condição para condená-la, marginalizando-a além da conta.
Sabemos que existem muitos viciados, alcoólatras,
deprimidos, esquizofrênicos, pobres, desempregados, humilhados que vivem
marginalizados, de forma que a sociedade não tem forças, nem meios de reverter
esta situação.
E por nossa impotência não podemos condenar os
desfavorecidos.
Ou, muitas vezes, condenar por puro
preconceito.
“Imagina você com muito dinheiro na conta
bancária vai de chinelo, camiseta regata e barba por fazer no melhor shopping,
entra em uma luxuosa loja para comprar uma caríssima calça e a vendedora diz:
não vou vender para você porque não tem condições de comprar.”
3º -
Estigmatizar não é suficiente para condenar.
Se alguém foi condenado por um crime, cumpriu
integralmente sua pena e está livre, não pode sofrer descriminação pelo resto
da vida, como se fosse a qualquer momento delinqüir.
Devemos confiar na mudança e recuperação do
ser humano. É certo que em muitos casos os ex-condenados reincidem em ilícitos,
mas, também é certo que em muitos casos ex-presidiários conseguem
ressocializar-se integralmente a sociedade sem nunca mais cometer crimes.
4º - Quem acusa tem que provar.
Não cabe ao acusado provar a inocência, cabe a
quem acusa provar sua culpa.
Somos cidadão livres e não podemos sofrer o
ônus de provar que não fizemos tal coisa, cabe a quem alega mostrar,
inequivocadamente, que fizemos o alegado.
Imagina você tranquilamente em sua casa, com
sua família, de repente arrombam a porta, a policia invade e, para seu espanto
e de sua mulher e filhos, te algemam e dão voz de prisão, dizendo que seu
vizinho o acusou de roubar a casa dele.
- O que ta havendo?! Pelo amor de Deus.
- Tá preso. Roubou a casa do vizinho.
- Eu?! Que é isto?!
- Cala boca ladrão. Vai ter que provar que não
foi você.
Mas, certamente haverá pessoas que ainda
pensam de maneira reacionária e retrograda como a setenta e dois anos atrás
quando o regime ditatorial suprimia violentamente a liberdade humana.