Morro, como morro todos os dias que acordo para vida. A cada
manhã que desperto percebo que um pedaço da minha vida morreu. Esvaiu-se em
bilhões de pedaços estilhaçados e espalhados pelo mundo.
Morro um pouco fisicamente, conscientemente e
inconscientemente.
Minhas células, todas que compõe o organismo, formam os
órgãos morrem e são sepultadas diariamente pelo espaço. Caem como dejetos ou
sublimemente repousam reclusas e solitárias em algum canto do espaço, para ali
interagir com todo um mundo particular e esquecido no invisível.
Importante é que todo dia uma parte de mim se vai para nunca
mais voltar.
Morro, também, de caso pensado. Uma morte dolorida do
dia-a-dia, onde as farpas da vida arregaçam a alma abrindo feridas letais. Desta
morte não se escapa, ainda que treine o escapismo, se equilibre no precipício,
seja mestre em rapel e montanhismo, está lá: o abismo de boca aberta pronto
para mastigar sua perna.
Morro sem saber. Todo dia aquele eu que nem sei morre. Um ser
cujo luto obscuro sofre na retidão dos desavisados, ainda que chore o defunto
também se brinda a morte dele com alegria. Como faziam os antigos quando bebiam
o falecido.
Mas a vida é persistente. Então só resta a vida. Bendita vida
que não nos deixa escapar das suas teias, que nos faz refém e envolve em casulo
para refazer novo ser. O mesmo ser diferente do que era como outro que nunca
fui.
Assim, se renasce diariamente.