Estava
tudo em paz, a vida seguindo seu curso natural, sem qualquer anormalidade. Tudo
estava sobre controle, no rotineiro marasmo cotidiano onde temos a segurança de
que nada foge ao nosso comando.
Uma
viagem de avião como tantas outras. Partindo de um lugar para outro onde deixei
para traz coisas que realizei e outras pela frente que tenho compromisso em
realizar. A vida caminhava repetidamente no previsível, dentro da expectativa
suave de uma historia controlada nas previsibilidades do nosso marasmo. Tudo
era normalidade pensamento engatado em terceira.
Um
fiasco de segundo, num milésimo de espaço tudo se destroçou.
O
dia não teria mais noite, a Terra parou, o mar não tinha água, nem água havia,
a terra era nada, o ar nem existia, o cotidiano interrompido já nem era isso,
porque não era normal.
A
anormalidade havia tomado conta para transportar para outro desconhecido
conceito.
O
avião foi abatido por um míssil.
Todos
morreram tão rapidamente como o piscar dos olhos ou a percepção da luz.
O
foguete chegou tão rápido como a morte que levou. Em instantes o Tudo passou a
Nada, talvez uma luz brilhante da explosão, um barulho ensurdecedor para outra
vida, ou vida nenhuma.
O
fato é que o instante único de estar ou não estar é leve como uma pluma de cem
mil quilos de chumbo.
De
repente começou o fim. Um fim rápido, incisivo, inesperado.
Estas
catástrofes servem para nos mostrar como somos ingênuos sobre a vida. Vivemos
adormecidos, num sono entorpecente, drogados pela vida cotidiana.
Nosso
dia-a-dia parece seguir uma lógica palpável, de realidades concretas e
conhecidas onde todo o restante considerou acidente. Acidentes acontecem, aliás,
com tanta freqüência que a fluidez normal do nosso destino se esquiva dele como
um boxeador se esquiva do adversário.
O
acidente é evitado a todo custo pela precaução. Valorizamos a atenção e o
cuidado a ponto de tornar crime todo ato desatento que interfira na linha
natural da sobrevivência. Para tanto, a partir do conhecimento aplicado,
criamos normas e regras de atenção, denominada prudência, perícia e diligência.
Nosso conhecimento esforçou-se em criar regras aceitáveis de comportamento
previsível. Aquilo que foge da nossa previsibilidade tem que ter um responsável
desatento ou querendo.
Quando
se trata de um ser humano dizemos que se manifestou o dolo ou a culpa.
O
dolo é o ato humano completamente previsível. Nos limites da compreensão sobre
as possibilidades da existência um ser escolhe uma atitude reprovável de agir.
Como a sociedade é um organismo integro de relações recíprocas sente-se ferida
por tal escolha o que leva a condenação.
Já
a culpa é o ato descompromissado, aquela ação desleixada produzida por uma
pessoa predominantemente irresponsável, sem preocupar-se com os efeitos no seu
vizinho próximo. Por isso, em função deste reprovável egoísmo os males advindos
ao próximo são passíveis de punição.
Também
há a culpa pela inobservância das suas responsabilidades e atribuições. Muitas pessoas
têm, por obrigação ou profissão, conhecimentos de conceitos e técnicas para
manter a rotina do jeito normal, mas conscientemente afastam o conhecimento
destas regras produzindo um desdobramento irregular e nefasto que poderiam
evitar.
Em
todos os casos atribuímos reprovação, pois seres produzem malefícios aos próprios
seres.
Acontece
que sempre haverá argumentos para justificar. E cada qual defenderá a
legalidade da sua justificativa.
No
campo de todos os conceitos e justificativas milhares de vidas serão ceifadas
em prol de expandir o entendimento.
Um
entendimento forçado sobre as bases do certo e errado. Colocando-nos perante a existência
e cobrando o posicionamento do correto. Ainda que o certo seja incerto
definimos qual ação provável temos que tomar para que o mundo pareça girar como
as horas e dias que criamos.