Por mais que eu tentasse andar em linha reta
os passos fugiam desordenados. Não era apenas caminhar, era uma questão de
honra. Fixei os olhos no chão tentando medir cada centímetro da calçada,
observava cuidadosamente o trajeto para que nada me atrapalhasse, mas todo
olhar fugia desorientado, toda medida escapava aos meus sentidos, enxergava a linha
reta fazer curva sem avisar, entroncando-se cada vez que piscava os olhos.
Simplesmente não dava, sabia não haver condições de caminhar reto como o fundo
do meu espírito teimava em querer.
Nesta tortuosa caminhada acometida de
profunda reflexão dos pensamentos que iluminavam como fogos de artifício
fazendo todo sentido do meu mundo revelado que se mostrava sem mistério diante de
mim absolutamente iluminado. Tudo sob um céu lindo de Ano Novo.
O prazer momentaneamente infinito
saciava minha voracidade de felicidade naquele instante de existência.
Mas por uma curva desenfreadamente
inoportuna soube que o dia seguinte vomitaria a embriagues rejeitando encarar
tudo que se foi pensado, como se nada prestasse, ao contrario, fizesse maldade
com meu ser.
Nestas coisas pensava enquanto
tentava endireitar-me no caminho. Perna flexionando-se, passo frente ao outro
divaguei nos pensamentos que se intricavam em meu cérebro como uma estação
apinhada de gente:
“As cicatrizes deixadas por este
agradável e afiado canivete que em momentos tais uso como autoflagelo do lisonjeio
premente de uma alma feliz e alegre que parece perdurar até o raiar do sol – é
disso que gosto mais que qualquer outra coisa”.
Abençoado naquela inesperada e
saborosa rota, pensava: E amanhã? Como me sentirei!? - vezes de lampejos de lúcida culpa
indesejável me questionava neste sentido.
Mas, a alegria contagiante daquele
momento era maior do que qualquer chata e insuportável rotina sóbria de maneira
que ria por dentro como santificando minhas ébrias entranhas. Grandiosamente me
sentia como se todo passado se esquecesse de mim próprio.
Felizmente o momento era todo prazer
daqueles que não se acaba até a próxima ressaca.
Meu cérebro era uma hidroelétrica com
torrentes que jorravam idéias do penhasco, movendo as turbinas para gerar
pensamentos elétricos com a velocidade da luz e, de todos os flashes, um mais dentre
os outros, atordoou-me demoradamente: “Eu bebia porque me sentia feliz, de uma
contagiante felicidade que poderia morrer naquele momento que pensava ter
alcançado o sentido: O sentido máximo mesmo quando sabia não mais haver sentido”.
E quando, no dia seguinte, o ser sóbrio
passa a dar sentido à dor surge dilacerando o corpo, recriminando a alma,
revogando toda lei, cuja ordem suspensa pelo veto fica para próxima audiência.
Como, naquele momento de vida, todo
juiz estava enevoado pelo grau etílico, esqueci, tive olhos apenas para aquela
figura lúgubre que se aproximava, do lado contrário, exatamente no caminho
tortuoso que percorria.
Conforme a distância diminuía senti
que o choque era inevitável e de nefasto se transformou em amável numa figura
feminina de curvas e linhas lindíssimas que se posicionavam no mesmo eixo
incerto dos meus passos.
Nossos sorrisos, ao mesmo tempo, em
tempos particulares, mas recíprocos e verdadeiros iluminou todo entorno quando
do encontro se deu naturalmente como duas galáxias que interagem em colapso
fatal.
Balbuciei algo como meu nome, qual
seu nome e um estonteante feliz novo ano ou ano novo. Com uma felicidade
inocente entreolhamo-nos perscrutando cada detalhe dos rostos, cada mistério
das feições, cada canto escondido nas fendas da carne que se revelavam sem
mistério. O brilho límpido e intenso no globo ocular dos olhos dela penetraram
os meus como ondas radiosas jamais experimentadas.
Aquele instante perdurava uma vida
inteira, como se todo sentido fizesse sentido, como se o tempo houvesse parado
e nada mais ao redor importasse, tão-somente, aquela ocasião, naquele
congelamento da forma como idéia pura e exacerbada do belo sobre qualquer outro
movimento que acontecia concomitantemente com as razões absolutas daqueles dois
seres que se observavam muito próximos, cada qual se tocando intimamente na
altura da cintura que refletia nas costas, em carícias suaves que imprimiam ritmo
ao coração, que desacelerava suavemente ao contato.
Eram dois estranhos que parecia se
conhecerem a décadas, mais ainda, uma metafísica cosmológica de outras dimensões
tal era a intimidade fácil e corriqueira como quem há muito tempo já convive,
tudo nascido ou despertado naquele repente instante de encontro casual.
Com os pés descalços adentramos a
praia. Deitamos na areia deslumbrando em silencio a abóboda celeste. Um
profundo céu escuro cravejado de miríades de pontos luminosos brilhantes,
outros nem tanto, outros absurdamente longínquos. A imensa manta negra estrelada
cobria a grande lua branca linda impassível, soberana expectadora de todo
deslumbramento santificado sob nossos corpos, onde pequenos mortais,
especialmente aqueles dois seres amantes viventes estávamos, naquele momento,
absortos. Tudo bailava suavemente ao som das espumantes ondas do mar quebrando
na areia.
Eu indaguei.
- Será que tem alguém olhando a gente?
- Acho que sim, e deve estar naquela
estrela ali. – apontava ela para o céu.
- Qual!? A grande? Brilhosa?
- Não. Aquela mais ao fundo. A bem pequenininha.
Virei-me e entrelacei minhas pernas
na dela. Meus braços se enrolaram como fios de lã e nossas bocas se acharam no
espaço vazio do céu onde apenas as línguas se acariciaram ardentemente molhadas
como gatos no cio.
Amamo-nos intensamente por segundos,
minutos, um quarto de hora sob a proteção da noite que atuou como nobre
maestria da volúpia.
Logo depois de saciarmos a sede de
desejo e prazer estávamos sentados a mesa de um bar fazendo o que sabíamos
fazer bem: embriagarmo-nos. E no caminho do excesso discutir idéias supérfluas
ou profundas percorrendo as afecções que desembocavam na pura dialética germinando
a cartase. Paixões, adequações e inadequações da verbalização que se misturava
em conatus. Também riamos, numa
felicidade espontânea riamos à beça de tudo e todos. E assim foi até o raiar do
Sol.
Explicação do texto:
A pouco tempo comecei escrever este Conto que não imagino onde chegará. Portanto, continuarei postando partes Dele na medida que o compuser. Não tenho pretensões ou finalidades, apenas deixar a criatividade fluir sem destino. Espero que gostem.