Iniciarei minha reflexão com uma
frase que repudio por causa do seu excessivo tom moralista, mas, que neste contexto,
se faz necessária:
“Na minha época era diferente...”
Quando criança contava os minutos do
sinal de saída da escola para chegar a casa despir-me da roupa do colégio e
chamar o amigo vizinho para brincar na rua.
As brincadeiras eram diversas,
dependendo da quantidade de amigos. Se muitos: brincávamos de pega-pega;
policia e ladrão; esconde-esconde, pião, bolinha de gude. Se apenas um: pipa, carrinho
de ferro – uma das minhas preferidas.
Tínhamos uma variedade de modelos,
desde carros esportes aos veículos especiais, como ambulância, polícia,
caminhão basculante, além, é claro, daqueles que não podiam faltar: os
militares. O tanque de guerra era meu xodó. Tinha também tratores, caminhões e
agrícolas.
No jardim de casa ou qualquer espaço
de terra, grama e arbustos criávamos nossa cidade, às vezes, países. Ali definíamos limites, estradas, ruas,
construções. Tudo milimetricamente planejado pelo improviso dos materiais à
disposição. Até um pequeno formigueiro podia integrar a legião dos inimigos. Os
monstros (insetos) que cruzavam nosso caminho eram o supra-sumo da diversão.
Esbaldávamos em fantasia e criatividade
manipulando a matéria concreta imbuída de cheiro, cor, forma, textura, calor.
Éramos artesãos da matéria imprimindo forma ao pensamento a partir da
concretude.
Atualmente, as crianças brincam das
mesmas coisas com a diferença de usar apenas alguns botões.
A manipulação da matéria imprimindo
forma ao pensamento ocorre em nível de bits.
As crianças de hoje com seus games
on-line constroem tudo que a imaginação permitir com ajuda de amigos que nunca
se viram na vida e talvez jamais se conheçam pessoalmente.
Minicraft, Terraria e outras dezenas
de jogos possibilitam as crianças criar coletivamente edificações, hoplotecas,
domesticar animais, minerar, cultivar plantações, criar gado, enfim, tudo que
estiver ao alcance da criatividade utilizando-se de materiais diversos com
texturas, cores, cheiros e sabores, exatamente como no mundo real.
Antigamente, em dia de aniversário se
corria o risco de ser parabenizado com “ovada e farinha”. Hoje, no máximo,
emotions sagazes, além das dezenas de mensagens no Facebook.
No inicio nos reuníamos em torno de
uma mesa para jogar conversa fora. Depois veio o telefone, apenas nossas vozes
se encontravam. Agora basta postagem nas redes sociais.
Até sexo é possível desfrutar
virtualmente.
Percebo que há crescente modificação
na forma como percebemos e interagimos com a matéria. Estamos cada vez mais nos
afastando da matéria sólida e macro estruturada para nos aproximar e se
apoderar da matéria microscópica incansavelmente estudada através da física
quântica.
Este ramo da Física, aliás, que
outrora representava um assunto restrito aos cientistas superdotados e
reclusos, hoje é conversa do grande público, onde algumas pessoas arriscam
explicações mais aprofundadas. Isto porque nosso dia-a-dia está repleto de
aparelhos indispensáveis que são frutos do estudo quântico.
O progresso crescentemente dissocia
corpo do espírito. Inevitavelmente a matéria torna-se obsoleta para dar lugar à
realidade abstrata. Penso que a matéria sólida e macroscópica se pulveriza
reiteradamente ao longo do progresso cedendo lugar às partículas essenciais que
em seus estados vibratórios imitem ondas-partículas capazes de criar um novo
conceito e interação das necessidades usuais do homem em sociedade.
Corpo dissociado da matéria é energia.
Acredito que em um futuro próximo a
matéria sólida será tão desnecessária que seremos praticamente energia.
Quando isto ocorrer viveremos uma
real democracia nunca antes experimentada, pois, além de se estender por todas
as partes do planeta sem que um tirano tenha condições de restringi-la; a
expressão humana de qualquer pessoa será difundida com a mesma força que a de
um popstar.