Quando os ânimos não se encaixam
dentro do razoável vira tormenta. Estilhaça as paredes apertadas que sem êxito
tentam lhe confinar.
Assim começa meu testemunho, que
preferia não ter sido ocular em tamanho orifício obscuro, porém, nuances de
trejeitos naquele momento colocaram-me na hora e lugar de viver aquele desatino
ao qual fui obrigado confidenciar.
Eram duas figuras lúgubres, mas
admiráveis. Pareciam ter nascidas ao
acaso, mas ambas ajeitavam eqüidistantes entre si uma força descomunal que
alinhava as efêmeras sucumbências em orbita tal que circundavam, em volta uma
da outra, com suavidade gravitacional ao ponto de decaírem em ponto fatal.
Amavam-se vivamente, como se amanhã
não existisse, como se todo dia fosse novo amor. Decrépitos afazeres lhes eram
pungentes, e ignoravam os detalhes lancinantes para sorver apenas alegria do
que atrozmente compartilhavam.
Embebiam-se nos feles dos recíprocos
sentidos que de encontro iam naturalmente reedificando o caminho.
Por vezes viviam melantáceas, mas,
tão-logo, se apercebiam cortavam pela raiz, sem deixar nascer fragrante
orquidácea.
Eram pele e carne na desdita encanecida
volúpia da altiva carcomida. Se entreveravam tão bem como podiam viver sem
rédeas do sofismo.
Um belo dia, como todos os outros,
ou, aparentemente de costume afeiçoou-se o caso digno.
Não havia luz diferente, nem breu que
se tomasse conta. Era o dia cotidiano, das vidas cotidianas. Há pouco
despertaram e na padaria, lá embaixo, saciavam a fome com um café revigorador,
de uma noite passada.
Degustavam demoradamente um croissant
com café ao creme. Se avizinhou um ente que disfarçadamente trocou olhares com
ela. Como se soubesse de nada, se fazendo de arrogado Ele verteu disperso
inconformado alguma coisa visível mas que não queria se aperceber.
O dia fluiu comum. Se foi Ele para o
trabalho. Se foi ela descabida à casa e faxina. O ente intocado fez tocaia e
sem demora adentrou em baixo dos lençóis da cama de Soraia.
Por meses era sempre a via sacra. O
marido saía o ente entrava. Adentrava sem pudor, rebentando rabo, benzendo
flor.
Desconfiado chacoalhastes em armadura
de tocaia. Pegou ambos em fortuna desnuda.
Com força proporcional que lhe
oprimia os ânimos arrebentou desproporcionalmente o que lhe presumia conter que
agora nem nada, nem sobrava parte capaz de represar o indomável volume vertente
do não apaziguado.
Estourou em fúria como manada
incontrolável de búfalos em disparada. Aquele que se acometeu se acovardou.
Aquele que prometeu, em prantos, pisoteou o desfalecido em rusgas púrpuras que
se avolumaram em poças impregnando o solo.
O que se prestava em não ser estava
feito. Nem a cúria desfazia a relutância.
A Morte.
Do norte veio o delegado, a justiça,
o juiz. Tudo condenado se trancafiou.
Um estulto no esplendor da sua faculdade,
asseverou:
- haverá o dia em que o ânimo
dominará a força?!