CONSIDERAÇÕES

MIRÓ, JOAN


Considero-me um poeta sem ter vocação. Considero-me filósofo sem penetrar profundamente na questão. Considero-me engraçado com as mesmas piadas repetidas de sempre. Considero-me conhecedor do que gosto pelo simples fato de ter lido alguns artigos do que gosto. Considero-me intelectual porque penso que sou inteligente. Considero-me gente porque outros iguais me compartilham afeto e me fazem acreditar que sou gente. Considero-me profundo porque me apaixono por causas banais. Considero-me elevado ao defender territórios definidos pela postura social. Considero-me social por conviver e ser legal. Considero-me pelo que tenho para aparentar meu poder. Considero-me pelo que julgo ser diferente. Considero-me por destoar daquilo que os outros creio não possuir. Considero-me pelo que me consideram. Considero-me pelos amigos que fiz e pelos inimigos que não me condiz. Considero-me pelo que sei o que ninguém mais sabe, sem saber que todos sabem a mesma coisa que não considerei. Considero-me ser feliz junto a alguns que considero ser infelizes. Considero-me, simplesmente. Porque estou vivo e por isso me considero. E devo realmente considerar. Mas, sem me esquecer de considerar tudo que vive. E tudo que vive deve ser considerado na medida em que cada partícula se considera. E Tudo se passa, na esfera do pensar em considerar o que existe.