ÁTRIO

MONA HATOUM



Amontoados de concretos rústicos, caibros, vergalhões desnudos compõem a paisagem de algo em construção ou já desconstruído pairando a decomposição ou composição artesanal por mãos cansadas, mas persistentes que forjam na dureza do aço e no molde da massa de cimento casebres que se entrelaçam por vielas estreitas como buracos de minhocas revolvendo a lama passando por fossa aberta, abrindo picadas bem estruturadas, corredores, labirintos rebentando num meio fio malfeito duma esquina qualquer asfaltada pelas benesses de um político local, pelo cachê eleitoral, pavimentando aquela pobreza; concretando a independência; dando rumo ao destino das famílias que glorificam Deus no céu e o bendito aqui na Terra. Pisou no barro uma única vez e amaldiçoou de fato aquele dia fatídico que tirou o brilho do seu reluzente sapato de verniz preto, mas como se mantêm com muitos votos de pobres coitados prometeu a Terra Prometida com flores e frutos. Só alegria e fartura. No dia em que foi empossado jubilou seus comparsas festejou sua posse até amanhecer e se esquecer do dia em que pisou no barro.


Enquanto a mulher grávida com chinelo de dedo desgastado caminha desviando de buracos, nóias entrincheirados, mato florescendo por acaso no meio da rua, ao seu lado dois pirralhos e um no colo seguem em procissão até o próximo posto de saúde para averiguar se prenha como está, tudo bem está com o rebento que traz no útero ainda em tempo de maldizer o pai. De um único filho é sua barriga – diz o médico. Não se esforce tanto, mantenha-se hidratada e alimentada. Ela volta esperançosa de mais um auxílio do governo que desta vez sobrará pra fumaça que adentra a carcaça em loucura que satisfaz. Dentro dela um outro, que ainda nem sabe ser outro. Aprende a lição. Que há um mundo dentro e dentro disto o outro, que não é o mesmo, somente outro incondicionalmente nada ver com ele. Ainda não rasgou o umbigo para saber que cindirá dele mesmo. Separarei inevitavelmente. Da inevitabilidade do ser fragmentado, observamos.  Na hora certa, o ser expele do racho um sanguinolento de braços e pernas em movimento que chora esbravejando o seu lugar naquele momento. Reclama sua posição, exige a relutância da vida como nada mais importa, a não ser, esse choro minguado para aqueles babacas no vidro prensar bochechas e beijos como na vitrine do zoológico. Fora do peso, mirrado, fica incubado para ser ovacionado como atleta do futuro, que venceu a morte – desde espermatozóide – nasceu imprestável e hoje continua imprestável. Pobre, pardo, segurador do saco, vendendo felicidades ilegais, acreditando que lhe ensinaram vencer sendo vencido. Apenas a crença quando na realidade em pé, tomando tapa na cara dos gambé, sendo humilhado e destituído de qualquer emoção, sempre gritando em seu ouvido que não tem valor e repetidamente dizendo que é trabalhadô. Mas livre é, e nem vai aceitar...então...A história se repete. O guarda esbofeteando a cara do moleque.