URUTU

                                                                  MIGUEL RIO BRANCO



Toda vez que a ave negra pousa
Suas asas baixas, imóvel
Seu bico, sua paciência fria
Seus olhos, sua sina, seu desejo espreitam
Silenciosamente agourenta
Invade deliberadamente
Fortes de resistência
O espírito voa instigado pelo arrepio
Gracejo com a boca cheia de dentes
Nervosamente sorriso de aparência
Daquilo de não se importar, afinal tudo é tão natural
Numa alma onde natural é desconstruir
Ou construir o quê não se conhece.

Ave negra pacientemente se põe estática
Precedendo a morte nem julga a sorte
Aguarda, espera
Os homens caminharem pelas ruas,
Em busca de seus trabalhos, responsabilidades
Caminham para seus compromissos,
Entregam seus filhos para os que precisam ensinar
Confortam quais filhos necessitam aprender
Nas ruas automóveis, no passeio transeunte
No meio fio a navalha
Entre nós se embaralha
Na vida quase sem sentido
Todo sentido faz.

Numa esquina qualquer de um dia qualquer
O Homem se estranha com o Homem
Introduz um significado diferente
Com sede e sangue entre os dentes: FERE
O percurso do dia se desenrola naturalmente como sempre
A vida segue
A ave negra espera

Para mais uma vez se saciar.