SAL NA TERRA

                                                                                                EDUARDO NARANJO



Conta uma velha estória vinda lá dos países baixos ou do meridional, verdade que ninguém sabe ao certo, dizem alguns ser de origem anglo-saxônica, outros não, dizem trata-se de estória milenar da cultura oriental. Não importa.

Era um jovem homem que vivia com sua família em uma afastada aldeia no escarpado de uma grande montanha. Sua família de quatro filhos e mulher viviam confortavelmente numa casa rudimentar mas que tinha todas as comodidades de uma garbosa residência comparada as outras construções da aldeia de pouco mais de dez mil habitantes.

Homem sábio, probo, ocupava a função de intendente do Rei. Cuidava das coisas do povo, sabia das suas necessidades, oferecia soluções, intervinha com o Rei e se encarregava de distribuir tudo que a aldeia necessitasse, aparando arestas, evitando excessos, cuidando das provisões e recolhendo imposto na medida certa. Tinha a confiança do Rei e disto se orgulhava deveras. Não se cansava em proferir aos quatro ventos sua lealdade e respeitos as Leis do Rei.

Sua mulher, sensível e inteligente era afeita às letras e ciência, então ensinava as crianças da aldeia as tradições, as ocupações e desvendava os mistérios do funcionamento de tudo.

Tinham os filhos como dádivas divinas e guardavam a eles maiores preocupações agindo em tudo que podiam com força salutar em construir pontes indestrutíveis do aço mais resistente e para sempre.

A mulher, genitora, mentora, oráculo vaticinava ao jovem pai: JAMAIS, mesmo depois de muito eu partir, desampare nossos filhos e que nosso todo valor seja para eles ainda maior. No que o jovem pai concordava incondicionalmente.

Acontece que pra lá adiante, alguns severos anos se sucederam e a peste invocou o espirito negro que sob a terra minguou o trigo, secou as matas e carregou a mãe pelo caminho do imprescindível riscando o ar com sua foice nada misericordiosa.

Se viu o jovem pai com quatro filhos, todos abandonados à própria sorte. Mas não haveria de ser nada porque a união de outrora era agora ainda maior e qualquer nuvem negra que teimasse em se formar seria afugentada pelo sopro mordaz da família reunida. Assim se fez, assim se faz.

O Rei, na sua profunda benevolência, com a morte entristeceu-se. Daquele dia em diante ordenou um decreto vitalício em que o jovem pai receberia até o fim da vida o quinhão inteiro do salário da mulher – em moedas de ouro – para seu sustento e também de seus filhos, sem que isto comprometesse o próprio salário – que também não eram poucas moedas – com uma única condição irrevogável: desde que não desposasse outra mulher até o fim de seus dias.

O tempo se passou, os filhos cresceram, o jovem pai carregava energia de sobra para as coisas da vida e, então, se reuniram e concordaram: Não poderia ficar o pai sozinho. Os filhos que se encaminhavam queriam ver o pai também encaminhado. Propuseram que encontrasse nova mulher, vivesse novo amor, caminhasse não mais só. Ele ouviu aquelas palavras e sem ruborescer-se animou-se. Partiu em busca do amor novo.

O primeiro filho bastante crescido arregimentou-se ao exército e partiu para terras distantes em uma batalha que perdurava anos, parecia não ter fim.

O segundo filho se casou, constituiu família e foi morar nas terras baixas.

O terceiro filho, com dom espiritualista, partiu sozinho para pregar nas desconhecidas savanas.

O quarto e último filho ficou. Criou família e cuidou das coisas do pai.

Anualmente o jovem pai comparecia a presença do Rei. Ajoelhava-se aos seus pés e quando o Rei ordenava a se levantar olhava profundamente em seus olhos aguardando a fatídica pergunta: Ainda não despossastes mulher alguma? Continua na retidão da sua solidão unido aos seus filhos?

Ele prontamente, sem titubear respondia:  Certamente, majestade. A mulher alguma me uni.

Então...conforme meus Decretos Reais, continuarás a perceber o quinhão da sua falecida em moedas de ouro.

O jovem pai saía contente de mais uma vez manter-se firme no engodo e ludibriar o Rei. Corria ao encontro da sua amada abonado de moedas de ouro.

Acumulou tanto quanto pôde. Arou a terra, investiu em rebanhos, triplicou seus ganhos.

O primeiro filho voltou da guerra pobre e miserável. O segundo filho mal arcava com deveres dos impostos. O terceiro filho voltou sem eira, nem beira para velha casa do pai. O quarto filho...bom, este...permanecia se sustentando.

Os filhos necessitados pediram ajuda ao pai que, nesta altura, já não era tão jovem. Por sua vez, ele há muito dedicava-se à outra família, àquela que não era a da falecida.

Negou ajuda aos necessitados argumentando que outrora, no passado, cumprirá sua função e papel de pai. Agora se livrava do encargo, como quem despede um funcionário para esquivar-se de gastos desnecessários.

Apesar da clemência dos necessitados, a negação foi intransigente. Se rebelaram e onde houve por anos união ocorreu a cisão. E das partes envolvidas, todas revoltadas e revolvidas se puseram a duelar.

Foi o dia em que filho se voltou contra pai e este contra aquele. Houve derramamento de sangue em solo sagrado. As terras encharcadas pelo fel do amor se transformaram em pavor que feneceu o patrimônio construído. A corrosão da corrupção da carne dilacerou o espírito. Naquele ponto não mais se sabia se o afeto sucumbiu ao dinheiro ou se o dinheiro chegou antes do afeto. Da confusão que se formou até se duvidou de quem era o poder maior: do amor ou do metal que reluzia.

Interveio, neste meio, senhores da justiça, que de justo pouco se detinham, tão-somente, defendiam posições agora opostas daquilo que se comunicava outrora.

Lutou um contra outro, irredutíveis cada qual na posição confrontante ideal.

O velho pai, agora doente, não se dobrou, resistiu inflexível. Os filhos, agora ausentes, se separaram como lascas e fiapos. Mas, num encontro destemido todos se mataram.

No final dinheiro algum para este ou aquele.

O Rei, mais uma vez consternado, anulou seu Decreto e a partir daquele dia decidiu nunca mais decretar tal coisa.

Na velha casa daquela triste família se fincou uma enorme estaca para que todos que vinham ou estavam por vir, não se esquecessem de amar e ser amados.