Há uma obscuridade no claro céu azul de límpidas nuvens brancas que apenas quem com o devido cuidado observa reservando-se em apreciar meticulosamente esta dádiva celeste que nos cerca poderá se deparar com tal escuridão...
Constatamos, em plena exaltação dos sentidos, que por detrás deste brilho intenso do Astro Rei Sol há uma escuridão insólita e gélida que desaquece meu coração ao ponto de lançar-me em profusa solidão pela estratosférica distância que me separa de tudo e todos eventos que mesmo que eu queira não posso sentir ou tocar, tampouco, deverás o mínimo que me resta, imaginar...
Sou cego tateando em loja de cristais desconhecida onde nem ainda existe a mercadoria que de antemão tem valor incalculável, ainda que impensável...
Quanto às pessoas que me circundam, andam ao meu lado, hei de conhecer ou já acostumado pela recíproca familiaridade posso apalpar, fazer carícias, até beijar ou simplesmente brincar...
Não há sequer uma que eu possa verdadeiramente descortinar e afirmar decifrada, porque é da natureza do mundo coisas não reveladas e, bem mais ainda, fenecermos em dúvidas quando a cada dia percebemos que cada pessoa é um cosmo infinito de sentidos que se guardam em cascas resistentes de eremitas coexistentes...
Quanto aos bichos de estimação, até mesmo os selvagens, parecem eles compreender mais e melhor a gente do que a gente à eles. Parecem conhecer algo que desconhecemos, vivendo despreocupadamente a rotina, dum dia após outro, com tão pouco, por uma porção de comida, o sono, água, sem pudor sem nada, somente existência...
Apesar da posição na cadeia alimentar é certo que não posso subjugar tamanha expressão de vida...
Quanto às sensações desta vida, a réstia de luz que aos meus olhos aluvia; o odor perfumado da flor noturna; o sabor acre da vulva que me atrai; a delicadeza da pele da fêmea; a insípida água que saboreio; regozijo da conversa entre amigos; os sons que me fascinam, me fundem; o silêncio que conforta; o mistério que salta, me absorto livre...
Me pego agora, neste exato momento, olhando o céu, tomando um gole, sorrindo à beleza de mais um dia aquecer minha face nesta dádiva que se abre, que se fecha...