ALEKSANDRA WALISZEWSKA
DOIS ANOS DEPOIS...
- A imprensa está toda
aí fora, querem uma coletiva Secretário.
- Mas o que eu vou
dizer?! Ninguém sabe o que aconteceu! Você tem certeza que não foi rebelião?
- Garantido que não
houve rebelião. Não há sinal de confronto, os carcereiros não falam muito,
estão assustados, mas garantem que não foi confusão dos presos!
- Foi o quê, então?
- A suspeita é que tenha
sido algum tipo de doença.
- Quem tem que dar
declaração, então, é o Secretário de Saúde!
- Ele tomou algumas
medidas e informou a imprensa: decretou quarentena no local. Ninguém entra,
ninguém sai. Os funcionários estão sob monitoração constante. Somente peritos e
médicos, com equipamento de proteção, entram na cadeia. Trata-se de uma cadeia
pública Secretário. Você vai ter que dar explicação.
- Diga que me
manifestarei as quatorze horas.
O Secretário de
Segurança Pública vai dar uma breve coletiva as quatorze horas do dia de hoje.
Dezenas de repórteres
tomaram suas posições no pequeno auditório do prédio anexo aguardando o
pronunciamento do Secretário de Segurança Pública, que chegou exatamente na
hora marcada e aparentava não querer se prolongar no assunto, apesar da
insistência dos inquiridores. Profissionais de várias emissoras faziam
perguntas aleatoriamente, pelo fato daquela coletiva ocorrer improvisadamente,
não estabeleceram uma ordem:
- Secretário, quantos
mortos exatamente?
- São, até o momento,
cento e vinte e seis detentos mortos...
- Quer dizer que restou
apenas um sobrevivente, já que eram cento e vinte e sete presos?
- Exatamente. O
sobrevivente foi transferido para outra instituição e está em uma cela
especial, sob quarentena.
- Como ocorreram as
mortes? Houve confronto, revolta entre os presos?
- Definitivamente não
foi resultado de uma rebelião, aparentemente uma doença foi responsável pelos
óbitos...
- Pode-se afirmar que se
alastrou a doença por causa da superpopulação, já que a cadeia comportava
cinquenta detentos?
- A população do entorno
sofre risco de contágio?
- Não sabemos,
exatamente, se se trata de doença contagiosa, mas por precaução isolamos a
área. Quanto a superpopulação, realmente está acima do recomendado, porém, é
importante considerar que se trata de um cárcere provisório, onde os
sentenciados aguardam vagas nas penitenciárias e outros detentos aguardam
julgamento...
- Os funcionários foram
afetados?
- Até onde sabemos: NÃO.
Várias perguntas
passaram a ser feitas ao mesmo tempo, causando certo constrangimento ao
Secretário, portanto, logo foi tratando de dar por encerrada a coletiva,
dizendo as últimas palavras:
- Bem, estamos
investigando as causas do ocorrido, por isso, não temos um parecer conclusivo. Garanto
que os profissionais estão dedicando grande empenho, em uma tarefa
multidisciplinar, para desvendar o caso. Assim que obtivermos novos dados,
comunicaremos a toda população, obrigado.
Levantou-se e se retirou
do recinto. Encaminhou-se imediatamente até a cadeia pública que ficava à
quinze quilômetros, no centro da cidade.
Era um prédio antigo de dois
grandes pavimentos, que ocupavam metade da quadra, a outra metade era ocupada
por um prédio anexo onde ficava o IML. Isolaram as ruas do entorno, apenas
agentes públicos e algumas pessoas do comercio local transitavam nas
proximidades, ainda assim, bastante monitorado pelos policiais. No pavimento
térreo funcionava a Delegacia Central, logo acima, no segundo pavimento, as
celas onde ocorreu a tragédia.
Notava-se no rosto dos
funcionários que alguma coisa de muito ruim havia acontecido. Estavam abatidos,
principalmente porque permaneciam isolados, em quarentena, sabe-se lá até
quando...
O Secretário, como
algumas outras pessoas, foi obrigado a vestir uma roupa protetora contra
infecções epidêmicas.
O que foi que se passou
por aqui? – Perguntou o Secretário ao chefe dos carcereiros.
Após um profundo
suspiro:
Não sei... Secretário...-
respondia hesitante o carcereiro – era exatamente 00:00 horas...tudo estava
como sempre, aqui embaixo a agitação rotineira da delegacia, lá em cima, os
presos em silencio respeitando o horário de dormir. De repente começou uma
gritaria. Percebi, no mesmo instante, que não se tratava de algazarra ou briga
entre eles, porque os berros eram de pavor. Nos meus trinta anos de profissão
jamais escutei algo semelhante aquilo. Todos gritavam ao mesmo tempo,
desesperadamente. Então, corri até lá. Não posso afirmar o que vi, na verdade,
não entendo...eles estavam ardendo em chamas, mas não havia fumaça, não havia
cheiro. Todos pegavam fogo, em labaredas. Pensei: alguém incendiou o outro e
fugiu do controle. Peguei um extintor e lancei contra a cela. Não surtiu efeito
algum. Continuavam incendiando e os gritos se tornavam mais altos e
desesperadores. Logo, vários funcionários, tomados pelo mesmo impulso, acionavam
diversos extintores. As celas se enevoaram por alguns segundos e quando pudemos
enxergar...continuavam ardendo em chamas. Os gritos não cessavam. Alguém trouxe
uma mangueira e disparou água, porém em vão. Eles batiam contra o próprio corpo
como querendo apagar algo por dentro. Queimaram durante uns trinta minutos. Nós
descemos e aguardamos os bombeiros chegarem. Ouvíamos os berros desesperados,
um som que ainda lateja nos meus ouvidos. De uma hora para outra tudo ficou em
silêncio. Um absurdo silêncio. Os bombeiros chegaram depois de vinte minutos. Só
então subimos. Quando lá chegamos estavam mortos, com exceção de um único
preso, conhecido pelo apelido de Negão. Ele foi transferido. Os bombeiros concluíram
que não havia vestígios de incêndio. Eles garantem que não houve nem mesmo
princípio de incêndio.
- Este preso que
sobreviveu, onde está? – Perguntou o Secretário.
- No manicômio judiciário,
isolado em cela de segurança, está incontrolável e não fala coisa com coisa...
- Aonde estão os corpos?
- Todos no prédio ao
lado, no IML. Está parecendo um depósito de defuntos – asseverou o chefe dos
carcereiros, e continuou – antes do senhor ir até lá, é melhor verificar com
seus próprios olhos uma coisa...
Convocando o Secretário
para lhe seguir subiram até o andar das celas. Logo que se aproximavam o cheiro
de carniça era marcante. Quando alcançaram o topo da escadaria donde se via um
estreito corredor com grades de ambos os lados formando duas grandes celas, o
cheiro de carne em putrefação tornou-se insuportável. Mesmo de máscara nas
narinas era nítido o incomodo pelo mal cheiro. Porém, o que mais impressionava
era a quantidade de baratas. Eram milhares delas. No chão, nas paredes, no
teto. Aquele extenso corredor e as celas estavam cobertos por baratas que se
agitavam freneticamente.
- Nunca vi nada parecido
na minha vida! – Surpreendeu-se o Secretário.
- Parece que todas as
baratas do mundo vieram para cá, e, continuam chegando pelos ralos – completou o
carcereiro.
Quando o Secretário saiu
do prédio estava nitidamente abalado, não apenas por tudo que viu e ouviu,
também porque o ambiente estava mais carregado do que de costume. Foi, então,
ao IML onde circulava dezenas de médicos legistas. O médico responsável veio ao
seu encontro.
- Boa tarde Secretário. Como
pode ver parece o holocausto, são muitos copos periciando ao mesmo tempo. Vieram
médicos legistas de toda parte do Estado, tivemos que requisitar este reforço.
- O que aconteceu? Qual
sua opinião?
- Vou ser sincero
Secretário, não temos e nem sei se teremos um laudo conclusivo. Venha, me acompanhe.
Levou o Secretário até
um corpo onde pegou de exemplo para lhe explicar o ocorrido.
- Está vendo estas
marcas – diversos hematomas e dilacerações pelo corpo – pois bem, foi causado
por autoflagelo. É característica comum em todos estes defuntos. Parece que sentiram forte dor interna querendo arrancar com os próprios punhos o mal que lhe
afligiam. Fora isto, externamente não há qualquer outro vestígio.
- Não pegaram fogo,
então? Perguntou o Secretário
O médico olhou com
estranheza, não entendendo a colocação daquele questionamento e respondeu:
- De forma alguma. Entretanto,
internamente, os órgãos colapsaram.
- Como assim?! – Perguntou
espantado.
- Os principais órgãos estão
dilacerados, em alguns casos, se diluíram em grau pastoso. Mas não há traços de
bactérias, tampouco, vírus. Seja o que for, alcançaram o óbito em tempo
recorde. Muito mais poderoso que o ebola. Apesar de não ter evidencia de doença
contagiosa. Não sabemos...
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