O CIRCO SEM MISTÉRIOS

MARC CHAGALL


O Circo já não é o mesmo...

 Através do espetáculo circense é possível observar a inevitável mudança da seta temporal apontada sempre para frente, cuja trajetória jamais retrocede.

Sou da época em que o circo era uma atividade lucrativa porque os espetáculos apresentados no picadeiro, numa relação próxima e intimista com o público, germinavam nos coraçõezinhos das crianças uma alegria incomum e na cabeça dos adultos uma intrigante dúvida de como tudo aquilo era possível.

O público lotava as arquibancadas sobre o chão coberto por serragem. A enorme lona que tudo abarcava tinha cheiro, sabor e imagem de espanto, apreensão, admiração, surpresa. O mágico fazia coisas mágicas. Os trapezistas corajosos faziam inacreditáveis acrobacias. Os animais compunham a lúdica e envolvente atmosfera do surpreendente.

O tempo passou. A sociedade cresceu. A criança de hoje já não tem o mesmo olhar dos anos passados. O Ser Humano amadureceu.

Compreendemos que os animais eram cruelmente maltratados e nossa passageira emoção não poderia justificar o sofrimento a que eram submetidos. Resultado: proibição de animais no circo.

Mas, continuamos a matar seres humanos como nunca. Cada vez em maior número, com maior crueldade e de maneira mais eficaz.

O mágico perdeu completamente a graça porque conhecemos detalhes do truque. Não engana nem uma criança que, aliás, na Era GOOGLE aprende a mágica para fazer em casa como entretenimento para os pais.

A mágica agora é transmitir pesados arquivos via bluetooth ou surpreender-se com a qualidade técnica e conceitual dos vídeos caseiros dos famosos yutubers.

Os trapezistas, ora, simplesmente acabaram. Ninguém quer se aperfeiçoar nesta técnica e arriscar a vida por mísero salário. O Circo não atrai mais tanta gente, o dinheiro é pouco, os trapezistas envelheceram e não foram substituídos.

O jovem atual prefere se aperfeiçoar como webmaster; prestar um bom concurso público ou transformar-se sectário do EI.

O Circo foi obrigado a se adaptar. Encena a teatralização do tema do filme infantil em destaque no momento. Malabarismos tecnicamente superiores comparado aos moleques jogando laranjas nos sinais.

Os palhaços...ah! Estes sim, ainda mantêm muita graça. Brincadeiras lúdicas com algum apelo educacional, suavemente deliciosas. O humor ainda é a melhor maneira de o ser transmitir conceito e entendimento.

O Circo mudou na proporção que as pessoas mudaram; das novas tecnologias que tomaram conta do cotidiano; do fim das ilusões e o início das descobertas científicas; o fim dos conceitos tradicionais diante da tolerância irreversível do comum diferente.

Nos dias de hoje, um vídeo viral carrega tanto impacto e informação que comparado ao Circo, este se transforma em uma esmaecida lembrança de como éramos inocentes.

Só que as crianças e adultos contemporâneos continuam a ir ao Circo de hoje.

Então, me parece certo que nem todo o Futuro que nos reserva apagará a essência do Passado que nos persegue.

Nem todo espertão de hoje é insensível a inocência das coisas simples.

Viva o Circo.