HÉLIO OITICICA
O Brasil vive
uma calamidade, daquelas de tamanhos estratosféricos, como nunca antes na
história deste país. O Brasil vive uma crise de valores nunca antes
dimensionada na história deste país. O brasil se dividiu entre coxinhas e
petralhas, pior, se dividiu entre “bons e maus”, pior ainda, se dividiu entre
os ladrões e trombadinhas. Era isso que estava pensando quando todas as luzes estavam
ofuscantemente acesas. A radiação era intensa.
As luzes se
apagaram de repente, estava eu contente e de repente...tudo ao redor escureceu
num breu ensurdecedor, fechei os olhos e os abri novamente...que coisa...estava
tão claro, uma luz radiantemente sonora que me queimava a derme, aquecia meu
sangue com o brilho dos enormes olhos cheios de filamentos incandescentes reluzentes
em amarelo ouro, bem lá, estatelados no alto da abóboda, fixando tudo no
firmamento, mas, agora, esta noite sem luz, escura como as duras vertigens da
solidão. Foi assim: em algumas poucas horas tudo mudou. Impressionante os
extremos deste meu contentamento. Tão muito cheio daquela viscosidade espessa
que ensalmoirava as veias, mas, num dado instante de momento, de uma hora para
outra, resta pouco menos que um viés esmaecido ensombrando meu espírito.
Mas não há de
ser nada não. Desvencilhando-me de mim mesmo, do medo que me aterroriza nas
mentes obscuras do silêncio que urge em berro, pus-me a caminhar pela casa
escura, cujos cômodos sombrios se estendem vagarosamente frente à minha visão
linear.
Meus passos
pesados deveriam ser leves, me esforço sobremaneira para acautelar as pegadas
numa carícia silenciosa de assustar. Estalos e assovios cortantes reverberam do
solo da minha caminhada, mas não demora muito para meus olhos acostumarem a
enxergar através da escuridão exatamente tudo que devo precaver, amaldiçoar,
caminhar sincero pelo que observo.
Uma viela
sombria, uma calçada mal preservada, a rua deserta estendida solene para eu
passar, sem gente, sem olhos a me observar, sem nada a me conter, posso correr
sobre ela sem temer as proibições dos transeuntes que mordazes mordem o
pensamento.
Projeto-me com
a força de cem cavalos numa velocidade constantemente alta, como se toda imagem
que passasse rápido por meus olhos atentos e meus músculos retesados para não
perder o controle fosse me redimir de tudo que até aqui vivi e não tive coragem
de confrontar.
Perdido neste
olhar do dever e do ser, sigo...
Sigo sem ser o
que devo ser, ajo pelo meu próprio ser sem dever. A nada e a ninguém devo, mas
para ser deve ter aquilo que todos concordam em ser.
A legalidade, a
moral, o humano...
O Brasil se
perdeu em valores de ser e dever ser...
Sabe o que me
dei conta: o dia e a noite são constantes naturais. Nós devemos pensar o que
fazer com eles.
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