MARC CHAGGAL
Fazia um frio terrível; caía a
neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. Em meio ao
frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta,
caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa trazia
chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos
pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando
escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa,
sacolejando. Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara
do outro e fugira correndo.
Depois disso a menininha
caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio. Dentro de um velho avental
carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão. Ninguém lhe comprara
nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia
quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! Os flocos de neve
lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos;
mas agora ela não pensava nisso. Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia
o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas
casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada;
levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior. Não ousava voltar para casa
sem vender sequer um fósforo e, portanto, sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria
e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um
telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha
e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de
frio. Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do
embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz! Tirou um: trec! O
fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa;
parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... Que luz
maravilhosa! Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada
diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a
coifa. Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se
apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo
queimado. Riscou um segundo fósforo.
Ele ardeu, e quando a sua luz
caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a
menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha
branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso
assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda
mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua
direção, com a faca e o garfo espetados no peito!
Então o fósforo se apagou,
deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e se viu
sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que
a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de
velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas
papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os
cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas.
Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo
rastilho de fogo.
"Alguém está
morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que
amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma
alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na
parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e
luminosa, muito linda e terna.
- Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo!
Sei que desaparecerás quando o
fósforo se apagar! Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida
fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o
feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os
fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua
avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e
ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais
alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas,
encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca
sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou
sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, paralisada,
um feixe inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os
passantes.
Porém, ninguém imaginava como
era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a
felicidade que sentia no dia do AnoNovo.
Hans Christian Andersen
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