PRIMEIRO - SUPERBIA

JAMES ENSOR


Entre todas as mulheres do Distrito era a mais feia. Isto lhe incomodava exageradamente, mas nunca, jamais demonstraria, nem por um segundo, era impensável transparecer tamanho recalque. Imagina se por um lapso qualquer revelasse sua maior fraqueza, seu mundo sucumbiria. Inferioridade desta magnitude não podia existir, ainda que teimosamente todos os dias em frente ao espelho tivesse que se encarar ao acordar.

Mas era mulher esperta e achou uma excelente saída para o seu problema: todos os dias assim que se levantava estufava o peito com uma boa lufada de ar e se enchia de si. Colocava sua melhor roupa, salto e empinava o nariz como se quisesse tocar o teto.

Tratava rispidamente qualquer um que se aproximava, com ar de superioridade e orgulho elevadíssimo, fazia questão de provar sua autoestima repudiando a ideia alheia através da imposição da sua opinião que precisava prevalecer a qualquer custo.

Arfava desinteressada pelos homens que a ignoravam, rogando toda forma de injúria, concebendo o pensamento de que são todos iguais e nenhum presta.

Era senhora respeitada de um cargo importante na Administração do Distrito. Quando chegava em seu gabinete gritava, ofendia desde o faxineiro ao Chefe do Gabinete.

Uma mulher que jamais errava, nem mesmo quando convocava Enoque, funcionário lambe-saco, para diante de ti ser escrachado e ainda assim ele reverenciar vossa altiva soberba, declamando todos elogios que conseguisse inventar.

Era uma mulher insuperável, estupenda até o dia em que...

Por aquelas bandas apareceu um homem vindo do Estado-Maior, sujeito de tão importância que trouxe uma comitiva de trinta outros acompanhantes, entre eles jornalistas, fotógrafos, cozinheiros, seguranças.

Importante autoridade não conversava com ninguém que previamente não fosse anunciado por seu assessor especial.

Certo dia marcou reunião com a Mulher do Distrito, iriam tratar de assuntos importantes; decidir o rumo das coisas; o futuro dos cidadãos; acertar questões de economia; ter nas mãos o destino...

No dia agendado, na hora marcada se encontraram em uma suntuosa câmara, uma sala que mais parecia um saguão apinhado de objetos raros, moveis caros, tapetes, cadeiras, vasos, lustres esplendorosos. Um local usado apenas em ocasiões extremamente importantes.

 Dado o caráter especial da reunião, onde as decisões afetariam parcela grande da população, fizeram questão de permanecerem a sós. Ninguém mais poderia estar presente, apenas os dois e nada mais.

Quando os dois sentados se entreolharam viram a feiura que cada um carregava em si.

O homem era feio demais. Cabeça achatada, sem pescoço grudada em um corpanzão donde sobras de barriga caiam pelos cantos do cinto, sobre pernas curtas e finas. Um enorme nariz sob pequenos olhos envoltos em destacadas olheiras. A tez era perfurada por milhares de pequenos poros, como um bombardeio. Figura horripilante.

Pensou ela: - que homem charmoso...

Ele avaliou a mulher dos pés à cabeça e concluiu em pensamento: - delícia de mulher...

Conversaram o suficiente para perceberem que estavam apaixonados. Á sós agiram por ímpeto. Se atracaram, agarraram, despidos se comeram, transaram como nunca antes.

Fizeram juras de amor, selaram união, consumaram o pacto. Desde então o Distrito nunca mais teve sossego.

Juntos destruíram famílias, direitos, expectativas, esperança. Trouxeram o caos para a coletividade enquanto a união deles era regada ao leite de cabra.

Mas, a soberba não se contenta. Em pouco tempo o Senhor Todo Poderoso discordou da mulher que queria mandar mais do que deveria.

A Mulher, se achando legítima, dona das palavras, bateu de frente e com dedo em riste apontou em direção ao narigão do marido e disse ser ele um frouxo.

Descarregou seis tiros bem no meio da cabeça da mulher. Ele hoje está preso, foi condenado a vinte anos.

O Distrito está bem melhor agora.