SEGUNDO - AVARITIA





Ninguém merece acordar cedo no domingo, nem mesmo para ir à igreja. Por isso gosto da Santo Antônio, o padre Gabriel faz missa de manhã e as quatorze horas. Este período da tarde é para mim perfeito. Não perco um só domingo de missa. Jamais vou faltar, prometi a mim mesmo que apenas em casos excepcionalíssimos poderei deixar de assistir à missa. É tão bom para o espírito, sinto-me renovado, saio purificado.

Encontro conforto nas sábias palavras de Jesus, os problemas ficam mais suportáveis. Deus, apenas ele, tem o poder de tranquilizar-me das preocupações diárias. Sou bastante fiel aos seus desígnios, tenho certeza que quando chegar à hora me receberá no céu.

Os sermões do padre Gabriel são muito bons, não gosto quando prega o desapego material e logo vem falando sobre a importância da doação para as obras da igreja, sempre arrumando um jeitinho de pegar meu rico dinheirinho. Não sou besta, não dou mesmo, afinal a igreja já tem bastante dinheiro e minha busca aqui é apenas espiritual.

Onde já se viu precisar dar dinheiro para Deus. Certamente isso é um pecado. O importante é nossa fé e devoção, isso sim é o que Ele espera. Mesmo porque não tenho dinheiro sobrando para tais obras de caridade. Cada um deve saber administrar o seu dinheiro, graças a Ele administro muito bem meu patrimônio, que não é muito, apenas suficiente para manter minha sobrevivência.

Mas sabe que prefiro a Igreja Católica que estas outras crentes. Ao menos minha igreja não exige contribuição. Acho um verdadeiro absurdo essas igrejas crentes que obrigam o fiel dar dinheiro. Na minha igreja dá quem quer e quem pode. Nas crentes todos são obrigados. Acha possível isto?! Jamais concordaria, imagina eu que não posso esbanjar ficar obrigado a doar aquilo que me faltaria.

Que susto! É o celular vibrando. Quem será a essa hora?! Deixa ver, é o Nélio...ele sabe que não gosto que me ligue neste horário.

- Alô Nélio, o quê quer, estou na missa...

- PATRÃO FUDEU GERAL!. Fiscais do Trabalho invadiram a fabriquinha da Leste, tão com os Federais, sujou geral, os bolivianos tão abrindo a boca.

- Se acalma homem! Estou saindo da igreja a gente já conversa.

- FALA DEVAGAR HOMEM, o que está acontecendo?!

- Patrão, na fabriquinha da Leste encontraram oito bolivianos trabalhando nas máquinas de costura. Os policiais e os agentes do Trabalho disseram se tratar de trabalho escravo. O bicho tá pegando...lacraram tudo e falaram que vai rolar processo criminal.

- VAGABUNDOS! Eu dou trabalho pra essa gente e ainda falam que os faço de escravos?! Você está aonde? Estou chegando ai.

A polícia Federal juntamente com agentes do Ministério do Trabalho estouraram uma fábrica clandestina de fabrico de vestiário onde oito bolivianos trabalhavam a mais de 12 horas em máquinas de costuras no subsolo de uma loja, cujo cômodo apertadíssimo mal tinha ventilação e as condições de trabalhos precárias caracterizavam situação análoga à escravidão pelas leis internacionais da OIT.

Os bolivianos deram os primeiros depoimentos e contaram que fazia aproximadamente dois anos que viviam naquela condição e como o salário era muito baixo não tinham condições de retornarem ao país de origem. Eram obrigados a trabalhar naquele espaço e dormir no cômodo anexo. Recebiam pouca comida e ainda tinham descontado dos seus salários a refeição e estadia.

Do outro lado da rua o Patrão que acabará de chegar, junto com Nélio discretamente observavam toda movimentação que acontecia.

Os agentes do trabalho retiravam os empregados do subsolo que um por um alcançavam a calçada e sob os raios do sol se contorciam como se há muito tempo não vissem a luz do dia. Os policiais apreendiam máquinas, cadernos, tecidos e outras evidências.

- É o seguinte Nélio – falava o Patrão – vou viajar e ficar um tempo fora, até a poeira abaixar. Mas, antes disso vou fechar as outras quinze lojas por um período de um mês ou pouco mais.

Deu as costas ao Nélio e partia, quando de repente parou se voltou e disse;

- E mais, melhor tu arrumar advogado porque essa loja está no seu nome, se lembra?

Virou as costas e saiu em disparada.