EMORY DOUGLAS
O
sol nasceu diferente naquela fria manhã. Enxerguei o sol longe, embaçado por
uma espessa névoa branca que pesava sobre aquele minúsculo quadrado de
concreto, encravado por grossas barras de ferro. Aquilo me separava de todo o
resto do mundo.
Olhei
ao redor e vi o companheiro encolhido no chão tendo espasmos, provavelmente, vivia
um pesadelo.
Na
cama lateral, de concreto bruto, sobre um fino colchão o bom amigo tragava
profundamente o cigarro de maconha, recostado confortavelmente no travesseiro,
de pernas sobrepostas, com o pensamento muito além daquele lugar, com olhos
fixos em lugar algum, talvez em cenários distantes criados pela memória.
No
banheiro, logo atrás do armário de mantimentos o outro companheiro se contorcia
por causa de uma indisposição intestinal severa.
Pouco
atrás, longe da minha visão estava Ernesto varrendo a cela. Sabia porque ouvia
o som reiterado da vassoura piaçava raspando, raspando raspando. Era seu dia de
faxina.
O
mesmo marasmo de sempre, um angustiante silencio externo que reverberava dentro
das nossas mentes aflitas. Mas, naquele dia estava em paz.
A
privação da liberdade, pela primeira vez se mostrava eficiente. Aqueles meses
de carceragem começaram a fazer seu efeito indulgente.
Como
e por que cheguei até ali?! Me perguntei.
Quando
era pequeno pensava ter muito pouco. Não tinha um tênis bacana, um videogame,
meu pai não tinha carro, aliás não tinha nem conversa. Minha mãe me criava
solto, diferente dos amigos que a mãe pegava no pé. A família deles parecia ser
tão perfeita. Pai e mãe presentes, sempre preocupados com o filho, cuidando
deles.
Na
escola meus amigos tinham mochila nova, dinheiro para o lanche, uma vó para
buscar na saída. Eu não tinha nada, todo dia ia embora sozinho para casa.
Quando
adolescente a coisa ficou pior, ai é que eu não tinha nada mesmo. Sabe o que eu
fiz?! Fui buscar com meus próprios esforços. Passei a roubar.
No
início eram pequenos furtos, que me garantiam dinheiro suficiente para adquirir
o que eu quisesse. Mas meus desejos aumentavam a cada dia.
Cresci
e passei a roubar coisas maiores. Usei de muita violência e ameaça. Era destemido
e nada me segurava. Passei a não ter inveja dos outros, porque tudo eu tinha. Sentia-me
feliz em que os outros tivessem inveja de mim, alcancei o patamar que sempre
desejei: ser invejado.
Hoje
estou cá, cumprindo dez anos, sozinho sem ter nada que alguém possa invejar. Engraçado
é que o Ernesto sempre teve tudo na vida, até amor, mas está ai atrás varrendo a
cela.
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