QUINTO - GULA

JAN SAUDEK

Certo dia fui chamado às pressas no Hospital Psiquiátrico Santa Terezinha para acalmar um paciente que estava com surto de megalomania. Inicialmente achei incomum aquele chamado, até encontrar o paciente em uma situação tão esdrúxula que justificasse o pedido.

  O interno estava vestindo gravata e camisa perfeitamente engomada, sob um blazer risca de giz classicamente alinhado, uma elegância de tirar o folego se não fosse estar na parte de baixo com uma cueca samba-canção com estampas de gatinhos e calçando um chinelo com meia, outro descalço.

Sentado em uma cadeira de plástico, como um rei no seu trono imitia ordens, as quais eram prontamente atendidas. No pé descalço o Secretário-Geral do hospital fazia massagem, seus ombros quem massageava era o Chefe da equipe médica, enquanto o Diretor-Adjunto Financeiro lhe servia água gelada.

Isso tudo porque havia trancado a esposa do Secretário-Geral na cela mais segura da ala, cujas quatro chaves tetra esconderá em local que só ele sabia. Não bastasse isso, com ela estava trancado o tarado psicótico Alfredo, que fazia tudo que ele mandasse, bastava um simples sinal.

Há vários anos vinha estudando aquele paciente, tentando entender aquela mente complexa, de uma genialidade impressionante e obscura, mas de difícil penetração.  Meu trabalho era árduo, porém incansável, cada vez que adentrava os meandros daquela mente, outros tantos becos e caminhos tortuosos se revelavam. Estava disposto em prosseguir na jornada, indo cada vez mais fundo, mais fundo, mais fundo...

Conhecia de cor e salteado a vida pregressa do paciente. Fez muita coisa na vida e tudo com excesso. Vindo de uma cidade do interior obstinava em ficar rico.

Assim que chegou na capital não demorou em dar golpe em muita gente, destruir muitas vidas em prol do acúmulo de bens e dinheiro. Ganhou seu primeiro milhão com vinte e dois anos, mas não foi suficiente, pois queria outras centenas de milhões. De coração gelado, inteligência notável e nenhuma covardia comprou metade dos imóveis residenciais da cidade, dois quartos dos escritórios e uma dezena de quarteirões inteiros. Continuava comprando, não queria parar.

Diante de tantas posses foi fácil entrar na política. Em pouco tempo caminhava com desenvoltura pelo Palácio do Governo. Era um homem influente, envolvente, respeitado. Mas queria mais, muito mais. Sua sede de poder era infinita. Chegou a Brasília e se destacou no meio dos senadores, empresários, políticos e homens de grande reputação do Supremo.

Todos os dias, quatro ou cinco vezes ao dia, almoçava, jantava, comia, tomava café nos restaurantes mais caros e grã-finos que existisse. Viajava de jatinho fretado pelo mundo inteiro como se estivesse indo até a esquina.

Mas nada nunca era o suficiente, sempre queria mais.

Com todo dinheiro que tinha usava mulheres e drogas compulsivamente. Toda noite eram cinco, seis, sete mulheres regado a muita droga e bebida. Acordava pensando em sexo, passava o dia pensando em sexo, passava final da tarde e a noite inteira fazendo sexo.

E nunca era o suficiente. Até que uma reviravolta aconteceu na sua vida. Por interesses que só deus sabe, a polícia começou a pôr areia nos seus hábitos extravagantes e o indiciou por corrupção. Foi um baque, um choque, uma tragédia na normalidade da sua feliz vida.

E aqui estou, tentando penetrar nesta mente, para desvendar seus mistérios. Jamais vou descansar enquanto não conhecer sua totalidade.

Espere estão me chamando! Sou eu, sou formado em medicina psiquiatra, sei como eles agem. Não vou soltar aquela velha asquerosa. Não façam o que mando pra ver. Ordeno ao Alfredo o ataque e ai a coisa vai ficar feia...