BLUES GRAMATICAL

JOSÉ LEONILSON BEZERRA DIAS


Acreditei um dia que eu poderia saber demais. Acreditei que se aprendesse tudo que precisasse, bastar-se-ia acessar conhecimento anterior para diante das novas sucessões das coisas obter entendimento correto. Acreditei que tendo nas mãos experiências passadas minuciosamente aplicadas ao caso contemporâneo não necessitaria de outra coisa senão repassar tudo bem pensado e desse jeito alcançaria conclusão, como um dia me ensinara os geômetras, como um dia magnânimo matemático criou especialista técnica no discurso do método.

Me enganei copiosamente.

Porque nunca se aprende demais, nem todas as sucessões de uma vida inteira são suficientes para antever o momento seguinte, no máximo, tal técnica serve para criar coragem suficientemente boa para encarar o desconhecido como se fosse ele um velho amigo.

  Mas, na mocidade da maturidade assim foi-se seguindo os dias um após outro. E logo noutro, outras coisas se sucederam e muitas pessoas pensaram sobre as mesmas e tantas outras coisas de forma tão antagônicas que refletir sobre determinado assunto já não fazia sentido, ainda que usasse de toda minha experiência passada me punha em dúvida, porque nenhuma Lei absolutista amarrava suficientemente o pensamento à conduta, em verdade percebia-se que a convicção era alçada pela regularidade obsoleta das recicladas proposições, que em nada acrescentavam.

Em nada adiantava ser firme e convicto no caminho que se trilhava, por isso abortei soluções outras que não se coadunavam com o encaixe da estrela na peça quadrada como naquele joguete impreciso de criança que busca enfiar a peça de tamanho e formato incompatível e, ao final, percebendo a grande ilusão da inocente mente despreparada simplesmente descarta a possibilidade, para tentar outra temerária assertiva.

E assim foi-se seguindo os dias um após o outro. Carregando na mochila indisciplinadamente jogada nas costas muitos objetos amontoados num limite do caos que tornava seu peso cada vez mais pesada e nas costas calejadas e pernas cada dia mais fortes aguentavam na medida exata do que queria e podia carregar, descartando abjetos sem pestanejar.

Entretanto entre coisas que se sucediam começavam acabavam e recomeçavam ficava difícil estabelecer o critério exato daquilo que era abjeto e objeto, de modo que “in dubio pro reu” partindo de uma solução em que tenta se arregimentar conjuntos de coisas tão diferentes em prol da dúvida.

E naquele mundo de tantas coisas em oposição necessariamente e obrigatoriamente coexistindo, surge aquela Salvadora da Pátria: LIBERDADE.

E veio ela convencendo todos os ânimos que era absolutamente imprescindível e apaziguadora na medida que estipulava a alma libertária de todas as coisas.

Critérios e limites muito bem definidos foram criados para que vigesse e vingasse a tal liberdade.

E da dissolução do que instintivamente existe surgiu o parâmetro bem formatado do certo e errado.

Muita propaganda se fez, se promoveu mensagens institucionais conscientizadoras, foram propagados trabalhos e eventos sublimes, projetos esclarecedores, organizações relevantes para divulgação da cartilha ditatorial da liberdade do pensar.

Naturalmente dissidentes apareceram impondo o corte das amarras que conceitualmente a sociedade criara.

E se fosse a liberdade a cartilha do momento, seria então a hora de se insurgir contra o próprio pensamento dominante.

Mas a forma estratificada, rígida, amoldável, sensível deu origem à imposição da força como natureza criadora das amarras que o próprio homem colocou.

O cabresto na visão de trezentos e sessenta graus do bicho homem fez com que imperasse a força animal sobre todas as outras razoáveis intelecções.

Então a tal liberdade que buscava atenuar todo sofrimento do mundo trilhou o caminho contrário trazendo embate e sofrimento na medida que destacava os contrários como obrigação de existirem harmonicamente.

Mas, o limite imposto pelo austero algoz chamado conservador virava agora vítima e a branca liberdade manchada de sangue era questionada até onde deveria chegar.

Perguntaram se ela podia ser livre ao ponto de não ter limites. Levaram-na ao banco dos réus com a acusação capital de matar inocentes por não se conter dentro de limites aceitáveis.

Encarceraram a liberdade, impondo-lhe a pena de se locomover dentro do conceito da maior comunidade. De grande e livre tornou-se chocha e triste.