A ARTE DO DESENCONTRO

LEONARDO MACEIRA


Lembro bem da tarde, finalzinho mesmo da tarde, onde aquele repugnante, nojento, empolado Senhor Mainstream, com sua cara gorda, seu corpanzil nada uniforme, mas bem ajeitado dentro das roupas de grife disse: - que trabalho é esse, seu merdinha de bosta...

Hoje ele está fora da empresa, dizem que o Chefe antes de bater a porta na cara dele chutou sua bunda. Vai entender, e eu que me achava insignificante.

E Luana um dia disse estar apaixonada: amo meu homem, ele é melhor coisa deste Mundo.

Repetia todos os dias o mantra do amor para todos que quisessem ouvir principalmente com as colegas que entre fofoquinhas do café se ajeitava empolada encostada na mesa.

Ficou grávida do melhor homem da vida, e ele se mandou, nunca mais deu as caras.

O manco tinha uma alegria de dar inveja, sempre sorrindo, contando piadas, com tiradas tão criativas e improvisadas que mais parecia um comediante de talk show americano.

Certamente era um sulamericano com mistura de índios, negros, portugueses, bem à moda brasileira. Mas tinha aquele problema na perna, uma mais curta que outra, o ponto e vírgula em pessoa viva.

Dizem que a mãe ignorante, sem condições materiais nenhuma, pobre na acepção da palavra, deixou de vacinar o menino. Mas naquela época eram outros tempos, tempos difíceis.

A poliomielite até que não afetou tanto, apenas encurtou a perna direita, mas isso não o impediu de chutar bola exatamente com a perna defeituosa, e que pancada.

Pancada de dar dó considerando ser uma perna tão fininha, atrofiada. Dizem que para o goleiro era problema.

Ninguém queria o chute daquela perna, aí punham ele no gol, para segurar as pancadas.

Ninguém tinha dó, chutava pra valer, inclusive do lado da perna defeituosa. O bichinho se esticava, contorcia, perseverava, insistia, mas era oitenta por cento gol.

Os caras comemoravam como final de campeonato o gol no alejado. Depois era uma tiração de sarro, todo mundo brincava, bebia, curtia, uma confraternização.

Hoje já não existem mais tantas confraternizações que valham a pena. Ficam todos do outro lado da tela.

Entre você e o outro milhares de quilômetros de distancia que nem são percebidos diante de um monitor colorido, com viva voz e um jogo qualquer para se divertir.

O melhor amigo seu não vê a hora de se enclausurar no quarto para compartilhar com você o melhor jogo de todos os tempos. E enclausurado você do outro lado, compartilham experiências nunca antes vividas, com pessoas desconhecidas, tudo ao som de youtubers e outras mídias rolando tudo ao mesmo tempo.

Já não consigo acompanhar esse tempo, me parece confuso, já não entendo os caminhos pelos quais sigo.

Mas, todas às vezes que paro, encaro alguns olhos, vejo os jeitos, os rostos e suas profundas marcas de expressão, enxergo solidão, percebo quão distantes solitários tendem viver os próximos.

E todas as falas que aproximam os homens são no fundo desejos. Desejos de um mundo perfeito onde todos harmonicamente compartilhassem a existência ou co-existência.

Acontece que cada qual coexiste a sua moda, que nada tem a ver com que digo agora.

Porque o que dizes pouco importa se sentido nenhum fizer pelo aquilo que penso.

Ainda assim, não sei porque está trise ô coisinha, seja meu amigo, podemos ser os melhores amigos...

Mesmo porque em tempos anteriores, bem antigos, da época dos ancestrais, eu me comunicava por hieróglifos.

Pintava cavernas com arte rupestre, apesar de tão próximo, ficava quieto pintando ou esculpindo o quê queria falar.