UMA ESTÓRIA DE AMOR

CAMILE PISSARO


Eustácio Coutinho Pereira de Lisboa Neto era um cara de meia idade, separado pela segunda vez, à procura do grande amor da sua vida.

Tentara de tudo para selecionar aquela que permaneceria ao seu lado até ficarem velhinhos, junto um do outro, importunando e se ajudando, até o dia do primeiro morrer e o outro logo atrás, por causa da falta da bendita rotina mal falada, mas entendida como essencialmente necessária. Aquelas estórias que contam dos nossos avós, bisavós. Estórias de grandiosas festas para comemorar bodas de ouro ou diamante. Festas assim, hoje não acontecem mais eu, particularmente, participei de algumas, mas creio que você nunca deva ter participado e talvez nunca participará.

Sei que nosso pretenso galanteador, que já não ostentava tanta bola assim, criou um sistema de eleição à prova de falhas.

Seu critério de escrutínio seria eficaz. A escolha perfeita baseada em avalições criteriosos e sem falhas – calculou durante meses.

Estava disposto tentar aquela forma de escolha como solução para tantos desacertos e desencontros, imaginando ser o logaritmo ideal, para em pouco tempo, na verdade horas, descobrir sua cara metade para o resto da vida. Consistia no seguinte:

Criou uma playlist no Spotify de 2 h  45 m, com as músicas que mais amava, aquelas que mexiam por dentro; as músicas que refletiam seu espírito e jeito de ser;  músicas que faziam o sentido da sua vida.

Então a pretendente seria convidada para uma viagem até a praia de Catries, o percurso levaria exatamente o período da playlist.

E quando chegassem na tal praia ele já teria avaliado sua pretendente por inteiro, porque as reações todas que acontecessem ou não acontecessem estariam sobre a mesa. As cartas lançadas sobre a mesa estariam elucidadas e nenhum jogo estaria escondido.

Logo na saída colocou um “Lucretia My Reflection” do Sisters of Mercy.

A moça calou-se, ficou meio tensa, olhava enviesado.

Acho que assustei a garota, deve estar achando meio pesado, parece não curtir, já não tô gostando, não tá sintonizando – pensava – vou deixar rolar até o final.

Ela permanecia caladinha. Eu só gingando a cabeça.

Porra, também estou sendo muito agressivo, quero começar uma apresentação e já vou chutando o estomago?!

Logo que acabou engatou um “Shape of you” do Ed Sheeran.

Aí ela passou a balançar as pernas.

ôpa tá curtindo – pensei.

Esse som é bacana, gostei – disse ela.

É uma garota softy...ou só normal, eu que acelerado demais?!

Sou eclético, gosto de muita coisa diferente, e você?

Ah...meu preferido é sertanejo...

Uma bofetada na cara, me acertou de cheio.

Mas...curto um rock, pop, também gosto de muita coisa

Talvez ainda tenha jeito, vou esperar e assistir ao capitulo das próximas faixas.

Mas, e aí, fala um pouco da tua estória, filhos, grande amor...

Cara tu é pesadão, mas tranquilo, vamos lá...estou separada a três anos, tenho um filho de treze anos que hoje está com minha mãe, trabalho como corretora de imóveis, ralo muito, trabalho pra caralho....vivi uma vida boa com meu ex, mas acabou, ele...não sei...se desinteressou....a gente nem mais conversava....o dia a dia ficou insuportável...

Nesse momento começou a rolar “Cocoon” de Milky Chance.

Mas, e você...qual sua estória?

Também sou separado, meu folho regula com o seu, tem quinze anos, a coisa mais importante da minha vida....minha mulher é boa mãe, mas comigo é um inferno...

A conversa pegou um ritmo e estava fluindo “numa naice”, rolou uma intimidade bacana, até que tocou: (I”m Your) Hoochie Coochie Man do Muddy Waters.

Que som esquisito! – falou

TUA CARA! Vai me dizer que o melhor do blues é esssquisiito! Tá doida....

Calma, não precisa ficar agressivo, só não gosto.

Puta que pariu, agora acabou tudo – pensei.

Meu, não acredito se liga nisso, vê se gosta, não é possível:

Colocou I’A Man do Bo Diddley
.
Sonzinho de bêbado e viciado – falou

Acho melhor a gente mudar o rumo da conversa senão vou ficar nervoso e não vais ser legal, vou te deixar mais tranquila:

Young And Beautiful – Lana Del Rey

Ah...esse é suave...eu gosto.

Pelo menos isso – pensei.

Sabe uma coisa que me interesso muito, é sobre cosmologia, buracos negros, nascimento de constelações, é assunto que me interessa....

Nossa, você é inteligente, umas coisas complexas...eu não gosto de pensar muito sobre isto.

Você já ouvir falar sobre física quântica? Átomos entrelaçados e as forças básicas da natureza?!

Não. Já ouvi falar alguma coisa, mas o que me interessa é ler Márcia Tiburi.

Então você tem uma obsessão de conhecimento isso é pra mim algo de valor.

Não, não é obsessão, é coisas que gosto.

O som mudou e foi para: The House Of The Rising Sun – The Animals e na sequencia engatou um: Back in Black do AC/DC.

Conversamos sobre intimidades, crenças, posições e opiniões, conversamos sobre política, sobre a saúde, a falta dela, sobre tutela, curatela e solidão.

Sei que por volta de hora rolou: Obstacle 1 – Interpol. Ficamos quietos ouvindo compenetrados na estrada que passava.

E quando chegamos ao nosso destino, ainda não nos conhecíamos, mas alguma coisa bacana rolava. Entendia que poderia ser a mulher dos meus dias e ela expressava tudo que poderia...

Foram dias maravilhosos, aproveitamos profundamente o hotel, a praia, nós, sexo, amor.

Bêbados discutíamos ao som que, rolava: Beaustiful Day – U2; Gimme Shelter – The Rolling Stone; Crawling – Linkin Park.

Passamos três dias na cidade em intenso amor.

Talvez não fosse a melhor escolha, mas foi a escolha melhor....Amamo-nos, entregamo-nos, numa superação de desafios.

Parecia que todo o valor da vida havia se encontrado, numa harmonia possível, de quem um dia acreditou que amar pode ser para sempre, mas....

No final daquela viagem rolou: Maneva – O Destino Não Quis