MICROECONOMIA

AS PORTAS


Estive recentemente perambulando por Antuérpia.

 Sabe como é, às vezes a melhor forma para espairecer é caminhar. Comecei em passos lentos até apertar o andar e ver as ruas se deslocando, as árvores, o senhor sentado no banco da praça, o poste de iluminação, uma placa, a folha jogada no chão. Peguei um taxi e pedi para acelerar para bem longe: foi então que a cidade toda se deslocou.

Ao mesmo tempo em que tudo corria, dentro ficava lento. Avenidas, edificações, viadutos, multidões corriam frente aos meus olhos e na cabeça passava devagar minha história, impressões, observações que me remetiam a preguiçosas conclusões.

Ao tempo em que tudo fora corria dentro fluía no seu tempo.

Desci para caminhar a esmo tentando encontrar a porta certa, sabe como é, ainda que sempre sempre sempre ligado na bússola que aponta pro Norte, lá pelas trezentas e quarenta e sete ruas que correm em direção da enfadonha obrigação de rir com risadinha amarela, dar boa tarde, abaixar a cabeça, levantar e fazer um aceno ou esticar a mão para cumprimentar, fazer cara de bravo, suar pingando feito um atleta experiente, gingar os braços como alguém despretensioso, dizer eloquente axiomas bonitos: depara-se sempre com as mesmas portas .

Antuérpia é uma cidade espetacular, de vielas sombrias que me davam calafrio, de avenidas largas que me impunham alegria indecifrável.

Mas o mais legal foram as “Portas do século VI A.C.”

Meio que fora do caminho, numa picadinha, num atalhozinho, alcancei a entrada. Eram duas portas, uma pouco acima da outra. Portas esculpidas por forças dos antepassados. Homens que provavelmente sucumbiram ao cansaço, não antes de em desatino persistente acabar o trabalho. Ninguém precisou exatamente a data daquelas portas, mas também não precisou porque alguém bastante estudado disse se tratar provavelmente de portas levantadas por antigos coletores-caçadores que gradualmente se firmaram na terra, numa transição entre eles e os conterrâneos agricultores sedentários que encontraram a particularidade especial de plantar naquele solo, se fixar naquele lugar.

Dizem que comunidades muito inteligentes habitaram aquela região. Eram socialmente avançados, a ponto de compartilharem soja, manjericão, feijão, semente de girassol.

Pão, torta, manjar, massa, uma mesa, olhares e abraços, festa, segundas intenções, fofocas, pudim, prazer e alegria, mas compartilharam também a guerra, atrocidades, vil ações espúrias em busca de riqueza, saciar-se, equacionar a obesidade mórbida frente à realidade da subnutrição....

Muitas cerimonias foram realizadas em prol da verdade absoluta imperada na comunidade.

Muito embora muitos fenecessem diante da praga, donde nada adiantava o sermão do homem santo, aqueles tantos que sobreviveram continuaram a transmitir o necessário, eficaz e louvado mito da transmutação do homem em divino ser pela fé.

Mas Antuérpia se recicla por si, em si  mesma se faz a melhor coisa dos mundos. Conclui que melhor não entender Antuérpia, apenas deixar senti-la.