SEGUNDAS ANÁLISES

TAKASHI MURAKAMI


Uma frase reiteradamente proferida nos discursos do presidente Jair Bolsonaro quando ainda em campanha, a qual marcava o compasso da sua nada clara proposta de governo, era: “temos que fazer um governo com ações sem um viés ideológico...”

Obviamente que pretendia se referir ao socialismo marxista ou projetos nitidamente esquerdistas que vigeram no Brasil durante os governos petistas que se sucederam.

Fazia crer, com esse discurso libertador, trazer à política um governo imparcial, com ideias e ideais ausentes de qualquer movimento sectarista, apenas condutas bem intencionadas em prol do melhor para sociedade, inclusive com uma educação baseada na “escola sem partido” como costuma defender.

Ocorre que para aqueles um pouco mais esclarecidos e com uma melhor percepção ficava claro a falácia que se impunha.

Primeiro que política é por natureza ideológica. Não existe uma verdade única e absoluta, mas milhares de dimensões sobre a mesma realidade, onde cada observador infere deduções reunindo-as em sistemas conclusivos e compartilhados por todos aqueles que admitem como verdadeiro aquele modo de se desenvolver e pensar, ou seja, política é escolher uma ideologia a seguir.

Como disse nosso grande filósofo contemporâneo Cazuza: “...ideologia, quero uma para viver...”

Segundo que o senhor presidente Jair Bolsonaro, com seu discurso totalmente ideológico, reviveu na sociedade brasileira o desejo de estabelecer, ainda que na força, o conservadorismo, a intolerância, a opressão, a norma cívica.

Quanto a norma cívica, não sou contra desde que todos os direitos conquistados por árduos anos de lutas, reivindicações, mortes, não sejam agora preteridos por um viés ideológico.

Acredito no Estado de Direito, cujos princípios fundamentais da liberdade e vida humana, tão duramente conquistados ao longo dos séculos, não seja refém de estados distópicos e desesperados das mentes incautas.

Retóricas cheias de ódio e segregação se espalham pela nova política brasileira, o que me preocupa demasiadamente, pois o devido processo legal, princípio fundamental para impedir os erros comumente cometidos pelo ser humano, em seus julgamentos, está ao ponto de ser colocado em última importância.

Primeiro atira, depois verifica a procedência.

A Lei e as garantias fundamentais do homem estão muito longe da perfeição, mas é o único pequeno resquício que possuímos para preservar o mínimo de sanidade social.

Espero que o pensamento dos novos homens do Poder possa ser iluminado por um viés nada ideológico e que debrucem suas convicções sobre a racionalidade das leis e princípios até então conquistados.