TOMIE OHTAKE
Uma
antiga lenda dos povos eurasiafromericianios que há muito habitaram o planalto
central da pangeia, conta a origem de Tudo.
Manuscritos
que datam da era paleozoica foram encontrados dentro de jarros feitos de cobre
hermeticamente selados e submersos na Fossa das Marianas.
Quando
tal artefato foi aberto, em seu interior foram encontrados muitos pergaminhos
confeccionados com couro de Simurgh banhado por resina da árvore Bodhi.
Estórias
reais ou ficcionais escritas por aquele povo em língua alano, foram traduzidas
e reveladas ao mundo, como um bálsamo de riqueza e conhecimento.
Entre
as estórias reveladas vou contar uma em especial, dada sua magnitude
esplendorosa. Chama-se “Frontispício”.
“...No
inicio era tudo calmaria, ordem. Não havia dia, nem noite. O tempo não passava
porque espaço não existia. Tudo estava concentrado na mais rígida e perfeita
união, onde todos elementos entrelaçados não conheciam a noção do bem e do mal,
viviam em plenitude de paz, porque sentimento algum existia capaz de revelar
sequer mínimo desejo ou convicção.
Os
elementos que subsistiam no amalgama quase inerte se compraziam de nada, porque
nada era a única força que os mantinham unidos. Não havia objeções ou
conclusões porque nenhum conhecimento era conhecido e no calor absurdamente
quente daquela união não se fazia necessário qualquer elucidação pois o calor
que adia os elementos era suficiente para mantê-los íntegros.
Até
que κόσμος decaiu. Era um elemento instável que implodindo sobre si mesmo
inventou a trajetória. Com ela sentiu o espaço a sua volta e entendeu-se
individualmente.
Κόσμος
sentiu fome e como todo ser faminto foi em busca de comida, tornando-se
propositivo. Experimentou do fruto do conhecimento criando a noção de deslocamento
e velocidade.
Acordou
tantos quanto possível outros elementos adormecidos para contar a novidade e
compartilhar tão grandiosa sensação.
Todos
que acordaram submeteram-se imediatamente a uma sensação propositiva e, quase
que instantaneamente, adquiriram energia positiva. Estava criada a carga, o
conhecimento da força eletromagnética que mantinha todos em conjunto.
O
caos não demorou a se estabelecer pois entre os elementos acordados e ativos
posições diferentes e conflitantes apareceram, forças nucleares fortes e fracas
se espalhavam e dividiam grupos, com maior ou menor intensidade.
Do
substrato imaterial estava criada a matéria, que nada mais era do que a
distinção positiva dentro do amalgama neutro.
Até
que a grande porção inerte que abraçava os elementos positivos, diante da
gravidade com que seus corpos pesavam e machucavam se transmutou em carga
negativa.
Neste
exato momento em que a grade porção inerte se codificou negativa uma
extraordinária força empurrou os elementos positivos para bem longe.
Os
elementos foram lançados diante do que se conheceu como espaço, sendo que o
afastamento de algo outrora próximo causou o resfriamento do entorno.
Os
elementos já não estavam unidos sob um mesmo calor, agora projetavam-se ao
infinito, sempre empurrados pela energia inerte que adquirira carga negativa expelindo
para muito longe os positivos, ainda que jamais conseguisse, pois por mais que
jogasse adiante, não desgrudava, no máximo afastava-os.
Κόσμος
entendeu o erro que cometerá, mas não havia volta. Sentiu o frio das
distâncias, sentiu solidão. Tentou puxar
alguns próximos para lhe fazer companhia, mas tanto outros se perderam na
imensidão do espaço. Seu sofrimento podia agora ser medido porque havia a noção
de tempo. Ele chorou e se culpou por todo erro cometido, assumiu a culpa pelo
acontecido e jurou que um dia iria reverter a situação.
Os
filhos, irmãos, parentes se afastavam com uma rapidez indescritível, sem que
nada pudesse ser feito, diante do olhar que os perdia de vista.
Muitos
elementos se revoltaram, sofreram, entristeceram e morreram. A morte que até
então não existia era algo que surgia como inconcebível perante a eternidade de
outrora.
A
matéria inerte e negativa para asseverar o erro dos acontecimentos fez questão
de marcar a chaga e, no lugar da morte dos elementos tristes encravou o vácuo
donde nada que se julgasse vivo escaparia, para deixar como aviso o equivoco do
desejo em conhecer.
A
profunda cova que a matéria inerte cavou puxava todos elementos próximos, no
intuito de devolve-los a união coesa de outrora, mas pelo conhecimento que
individualmente adquiriram ficaram, na verdade, aprisionados no substrato
neutro, pela eternidade.
O
mundo já não era o mesmo, não havia perspectiva de volta, ao tempo que nem
mesmo o tempo havia. A matéria inerte então negativamente enfurecida empurrava
ainda mais forte para longe.
Κόσμος
pensava em como reverter e tentava apaziguar a fúria da matéria inerte.
Mostrava quanto inerte deveria se comportar para que todo sistema voltasse a
ser o que nunca deveria ter sido, isto é, alguma coisa.
Conta
a lenda que Κόσμος está em conversação com a matéria inerte, até o dia de
convencê-la a deixar de ser negativa para os elementos aos poucos retornarem ao
seu próprio convívio, deixarem de ser elementos para voltar a ser Nada."
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