NOVOS TEMPOS

ANNA UDDENBERG



Há bastante tempo não me manifesto neste espaço, tampouco tenho produzido novas criações, seja porque a insensata e impensável realidade do mundo tenha imprimido na minha sensibilidade um desanimo imensurável capaz de tolher o ímpeto criativo; seja porque minhas esperanças se esmaeceram frente ao descompasso humano que teima em se impor pela forja do ódio e intolerância; seja porque os heróis do mundo se restringiram às exuberantes cenas fictícias do cinema; seja porque a disseminação da informação falsa e confusa maneje sectários fervorosos; seja porque cansei diante de tanta ignorância que aflige pessoas outrora tidas como sensatas.

Mas, em tempos de profundas transformações onde o planeta vem sendo submetido à repaginação, reavaliação, recriação de pensamentos, ideias, valores, moral, tudo em fase de demolição e reconstrução, não poderei manter-me alheio e inerte diante dos acontecimentos, do movimento inevitável deste mundo em compasso aparentemente descompensado.

Uma doença assola os países, ceifando vidas e causando pânico na população que já não se lembra dos cavaleiros da morte que há séculos andaram por este mundo carregando a galope seus cadáveres como troféus, por outro lado, velhas práticas e crenças, que pareciam em desuso ou erradicada, voltam com força tal ao ponto de subverter todo conhecimento acumulado, transformando a sabedoria cientifica e empírica em pó de serragem jogado ao vento.

São os sinais dos novos tempos, nos quais a sociedade no fio da navalha tenta encontrar o lugar que possa servir de abrigo seguro as suas próprias inseguranças.

Há muito se sabe que o tempo não para, mas hoje percebemos que o tempo voa, na mesma medida em que se escorre pelos dedos a observação acurada da formiga carregando uma folha; a leitura emocionante de um livro; a observação curiosa das transformações das nuvens em formas surpreendentes; o simples jogo de paciência; o som da noite sem eletricidade.

Acredito que o sopro dos novos tempos sempre trará boas novas, mas, o que me deixa estarrecido nos tempos de hoje é o grau técnico e a competência intelectual e explicativa dos homens que falam na televisão; das opiniões maduras dos jovens que fazem “live”; do comportamento adulto das crianças; das assertivas coesas dos analistas; da incontestável verdade destes seres humanos tão conectados com o mundo moderno. As vezes me sinto um imbecil diante de tanto esplendor humano.

Engraçado que apesar de tanta verdade disseminada pelo mundo, o ceticismo é geral, não posso ter certeza em que acreditar, pois cada mensagem parece envolvida por uma força manipuladora da realidade.

São os ventos dos novos tempos que trazem o martelo de Nietzsche, criando o niilismo a cada mensagem, onde opiniões sem fundamento são fundamentais; onde princípios fundamentais não são essenciais; onde a leviandade foi elevada a santidade; onde o santo do pau oco, remido e esculpido traz o verdadeiro recado.